Jornalismo regional: “É tão nobre ir ao fim do mundo como ao fim da rua”

Jornalismo regional: “É tão nobre ir ao fim do mundo como ao fim da rua”

Ao terceiro dia do 5º Congresso dos Jornalistas, no Cinema São Jorge, oito jornalistas foram chamados ao palco para falar sobre órgãos de comunicação regionais. Jornalismo de proximidade, desertos noticiosos e subvalorização dos média regionais foram os temas recorrentes nos últimos três painéis da sessão “Do local ao universal”. 

A precariedade já não é um assunto novo no jornalismo. Liliana Carona, diretora do jornal Notícias de Gouveia, cronista do Público e jornalista correspondente na Rádio Renascença, abriu o painel dizendo que “os jornalistas raramente são notícia, mas graças a Deus que estão a ser agora”, numa alusão à atual crise no Global Media Group

Apesar de todas as funções que acumula, Liliana trabalha a recibos verdes há 13 anos. Falando sobre a sua experiência enquanto correspondente da Renascença, contou que chegou a ter “de desligar o frigorífico para gravar áudios”. 

A jornalista Elisabete Rodrigues fundou, em conjunto com mais dois colegas, o jornal online Sul Informação. À data da fundação do jornal, em setembro de 2011, tanto ela como os seus colegas tinham os salários em atraso e eram trabalhadores precários. “Investimos o nosso tempo, a viver do subsídio de desemprego e iniciamos o projeto sem um cêntimo de publicidade”, afirmou. 

Atualmente, o Sul Informação sobrevive de bolsas europeias, apoios específicos ao jornalismo regional e donativos dos leitores. Elisabete referiu ainda que muitos destes donativos são feitos por leitores estrangeiros. A mensagem principal deixada pela jornalista é a de não querer que o Algarve se torne um deserto noticioso.

Patrícia Fonseca trabalhou como jornalista na revista Visão durante quase 25 anos e, tal como Elisabete Rodrigues, decidiu fundar o seu próprio órgão de comunicação. “Entrei para o jornalismo por paixão e desapaixonei-me na Visão”, explicou, concluindo: “Quando isso aconteceu, despedi-me.”

Em conversas com colegas, apercebeu-se que “se sabia mais do que se passava em Gaza do que em Tomar”. Assim nasceu, em 2015, o jornal online Médio Tejo, com o objetivo de fomentar “uma maior proximidade e interação entre os mais de 250 mil habitantes dos 13 concelhos que compõem a comunidade intermunicipal do Médio Tejo”.

“Não há jornalismo sem proximidade”, advertiu a jornalista correspondente do Jornal de Notícias (JN) em Vila Nova de Famalicão, Alexandra Lopes, precária e a recibos verdes há 20 anos. Sem salário há meses, Alexandra pode, além disso, acordar amanhã sem trabalho devido à crise no JN.

“O país é totalmente assimétrico, totalmente desigual”

Luís Bonixe, professor de comunicação no Instituto Politécnico de Portalegre e autor de dois livros sobre a rádio em Portugal, alertou para o dever dos jornalistas em “tornar o jornalismo um local sedutor para os mais jovens”. Defendendo que as rádios locais devem ser “escolas de formação radiofónicas”, Bonixe deixou uma mensagem de igualdade entre os tipos de jornalismo: “É tão nobre ir ao fim do mundo como ao fim da rua.”

O investigador acrescentou ainda que o setor das rádios locais em Portugal é caraterizado por “frequências fantasma que não emitem” e que vários concelhos têm vindo a perder as suas rádios por “falta de financiamento”. Em 2015, realizou um estudo que o levou a constatar que “as rádios locais estavam quase desertas e havia cerca de 1,5 profissionais por estação de rádio”, com a maioria dos jornalistas correspondentes a receber o salário mínimo nacional  (505 euros mensais). Bonixe acrescentou ainda temer que a situação atual seja “ainda mais dramática”.

Para Miguel Midões, jornalista da TSF desde 2004, é difícil fazer a cobertura noticiosa de toda a área transmontana “com apenas sete rádios e um total de 12 jornalistas”. “Muitas vezes fazia 80 quilómetros para fazer uma reportagem”, revelou o jornalista, destacando que “só era possível fazer esta cobertura graças ao trabalho conjunto e à ligação em rede” das mesmas.

Em termos de cobertura jornalística, Liliana Carona afirmou que “o país é totalmente assimétrico, totalmente desigual”, sentimento esse partilhado por todos os outros convidados. A subvalorização também chega às ilhas, defendeu a jornalista da RTP Açores, Marta Silva, onde a crise de financiamento dos média no arquipélago origina “escassez de recursos humanos e, por sua vez, menos reportagens”. Os seis correspondentes da RTP são apelidados de “super heróis da informação” pela jornalista já que, mesmo trabalhando em contexto de escassez, cobrem todo o arquipélago.

Por: Maria Carvalho | Universidade do Minho e Tiago Silva | Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas
Fotografia: Catarina Sousa | Universidade Europeia