“O Chega cresce também por causa da crise do jornalismo”

“O Chega cresce também por causa da crise do jornalismo”

No dia em que a relação entre a extrema-direita e o jornalismo é tema de debate no Congresso dos Jornalistas, Miguel Carvalho, jornalista freelancer,conta a sua experiência na cobertura e investigação dessa problemática.

Desde o seu surgimento no panorama político português, o  Chega tem tido um crescimento bastante significativo. Passaram-se cinco anos e o partido de direita radical é a terceira força política no parlamento português. Nas eleições legislativas de 2022 conseguiu 7,18% dos votos. Para as próximas eleições, a 10 de março, o presidente do partido, André Ventura, afirmou, na VI Convenção do Chega, que o partido “vem para vencer estas eleições”.

Para o jornalista um crescimento “repentino” deste tipo exige escrutínio e investigação. Miguel Carvalho foi grande repórter da revista Visão durante mais de 23 anos. A Visão foi o meio que lhe deu a oportunidade, “tempo, espaço e dinheiro para poder investigar a fundo” o partido Chega. Miguel chegou a passar três meses a conhecer militantes e dirigentes e a “conhecer aquela realidade”. “Ir a um congresso fazer a cobertura, não basta”, explica.

Miguel Carvalho sente-se um “privilegiado” pela oportunidade e tem consciência de que “o Chega cresce também por causa da crise do jornalismo”. “Um jornalismo frágil não pode escrutinar: um jornalismo de declarações e contradeclarações, um jornalismo que não aprofunda, um jornalismo que não faz um esforço, nem tem meios, dá ao Chega um protagonismo pelas piores razões”.

Conhecer as pessoas que fazem parte do partido é, para o jornalista, indispensável na investigação do Chega: “Só assim se tem conhecimento de todas as contradições e vícios que ali estão.”

Entender os meandros do partido permite também perceber que “definir o Chega como extrema-direita é, do ponto de vista jornalístico, um risco grave e um erro. Estamos a estigmatizar eleitores que estão no Chega por diversíssimas razões e muitos deles não são, nunca foram fascistas, nem têm saudades do antigo regime”. Miguel Carvalho conta que conhece militantes que tiveram um percurso sindical, um percurso na Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP), ou até uma candidatura autárquica pelo Bloco de Esquerda ou pelo CDU.

O investigador concluiu, através da proximidade que tem aos militantes do partido, que “a frustração surge da falta de cultura, sorte, e também da situação geográfica. O Chega ofereceu-lhes uma narrativa que lhes é confortável”, transpondo “o discurso de café para o patamar parlamentar”.

O Chega “não deve ter um escrutínio especial”. Miguel defende que, se tivesse sido feito um trabalho ao longo de anos com os partidos tradicionais, “se calhar não haveria Chega. Se tivéssemos ido ao fundo das questões para perceber onde é que o Estado falhou, se calhar estaríamos a discutir o Chega de outra forma, ou então nem sequer existia. Foram falhanços dos outros partidos que nos trouxeram aqui”, acrescenta.

No início do ano teve lugar, em Viana do Castelo, o VI Congresso do partido Chega onde “foram colocados obstáculos” à participação de Miguel Carvalho, na qualidade de jornalista freelancer. Após uma queixa do profissional à Entidade Reguladora para a Comunicação Social, “a ERC decidiu que [o impedimento de creditação do jornalista] era absolutamente ilegal”.

Por: Carolina Damas e Letícia Oliveira | Universidade do Minho
Fotografia: Letícia Oliveira | Universidade do Minho