Jornalismo local: “Se não formos nós a noticiar o que se passa perto das pessoas, quem vai fazê-lo?”

Jornalismo local: “Se não formos nós a noticiar o que se passa perto das pessoas, quem vai fazê-lo?”

A crise no financiamento do jornalismo vai muito além do panorama nacional e chega a cada canto do País. O Norte não é exceção esta realidade é sentida, por exemplo, nas redações do Jornal Alto Minho e da Rádio Alto Ave que, com um número ínfimo de trabalhadores, agregam esforços para “alimentar” e “garantir” a sobrevivência do “jornalismo de proximidade”.

Na redação do Alto Minho, fazem-se os últimos preparativos para a publicação da edição mais recente do jornal. O clima é agitado, mas os três redatores chegam a um consenso rapidamente.

Criado em 1995, o jornal Alto Minho serve toda a região de Viana do Castelo. Abriu portas ao comando de “Costa”, alcunha de Fernando Pereira, que também lhe deu nome. Hoje, é ele quem revê a capa com a confiança de quem sabe o que “o povo gosta”. Enquanto trata dos últimos detalhes, admite que a situação financeira do jornal já teve melhores dias, apesar de não estar “assim tão mal”.

No que respeita aos apoios públicos, o financiamento do Estado não tem grande expressão nas contas finais, até porque as maiores fontes de receita do Alto Minho são as vendas em banca e publicidade. “Em distritos grandes, como Viana do Castelo, o dinheiro do Estado tem pouca expressão”, explica o fundador do AM.

Atualmente, o Estado paga 40 por cento das despesas relativas ao envio do jornal pelo correio. Fernando recorda que, nos primeiros anos, eram pagas na totalidade, o que dava à redação mais cem euros por mês.

O Jornal Alto Minho recebe, em média, entre mil e dois mil euros por parte dos anunciantes, e as vendas em banca estão em declínio. Quem trabalha na redação diz não se verificar “uma quebra tão acentuada como em alguns jornais nacionais”, em parte, por cobrir uma área geográfica específica e existir um elevado número de assinantes com idade “mais avançada”.

Mas, com a atenção voltada mais uma vez para o ecrã do computador, o fundador do jornal admite existir atrasos nos pagamentos por parte dos anunciantes. “É um dos maiores problemas do jornalismo nas pequenas redações” e algo que causa inquietação aos que nelas trabalham. “Não faz sentido não cumprir o prazo de pagamento; quando vamos ao supermercado, também pagamos assim que adquirimos o produto”, argumenta Fernando Pereira.

A Rádio Alto Ave é mais antiga do que o Jornal Alto Minho. Serve o concelho de Vieira do Minho (distrito de Braga) e existe desde o início dos anos 80, mas nem por isso viu tempos melhores que estes. Sempre foram poucos, desde o tempo em que eram “rádio pirata”.

Hoje, a rádio tem Carina Teixeira, uma locutora especializada em jornalismo. A jovem conta que se licenciou e acabou a trabalhar na Rádio Alto Ave por ter sido a primeira oferta de emprego a surgir em três anos. “Não dá para fazer tudo que queria, mas, mesmo assim, tenho gosto no que faço”, desabafa.

Além de Carina, só há mais três funcionários na Rádio Alto Ave e, para a mais jovem na redação, são “insuficientes”: “Fazemos tudo ao mesmo tempo. Às vezes estamos a transmitir e a escrever notícias porque não há meios e temos que ser nós a informar, mesmo que vá além do nosso horário de trabalho”.

Numa “rádio em que poucos fazem o trabalho de muitos” os recursos são também escassos. Ao olhar à volta, Carina enumera os vários equipamentos que precisam de ser substituídos, entre eles, os que usam quando saem em reportagem: “O que temos já tem uns anos e obriga-nos a estar sempre ligados à corrente.” O sustento da Rádio Alto Ave vem, como acontece no Jornal Alto Minho, de receitas publicitárias e apoios “pontuais” do governo a que se candidatam.

Mesmo subfinanciadas, as rádios e jornais locais e regionais resistem, fazendo os poucos que ainda as integram refletir: “Se não formos nós, as pequenas rádios e jornais, a noticiar o que se passa perto das pessoas, quem é que o vai fazer?”

O que explica a falta de financiamento no jornalismo local e regional?

Para a investigadora e professora da Universidade do Minho, Elsa Costa e Silva, o jornalismo em Portugal é “afetado pela falta de um modelo de negócios comercial”. Durante mais de um século, o modelo da atividade baseou-se na publicidade e quando esta migrou para as plataformas digitais, “os meios de comunicação social perderam parte significativa das suas receitas.” Hoje, no digital, os anunciantes pagam um valor muito menor e isto, aliado à “migração dos jornais para o digital”, revela-se um dos maiores entraves à “captação de publicidade”.

A falta de financiamento leva a que muitas redações regionais procurem a publicidade institucional para sobreviver e a investigadora assegura que este tipo de meios corre o “risco de ser capturado pelas câmaras municipais, quando o que é preciso são meios independentes para informar de forma isenta”.

“O Estado tem de ter um papel mais interventivo; caso contrário, vai deixar de existir jornalismo em Portugal”, afirma a professora de Economia dos Média. Além disso, acrescenta ser fulcral capacitar as redações regionais para “desempenhar tarefas além da cobertura de eventos” e reforça: para que tal seja possível, deve haver “mais profissionais e meios para lhes pagar”.

Elsa Costa e Silva salienta a necessidade de regularidade e estabilidade no financiamento, para que os meios locais e regionais se consigam afirmar e perdurar. “Se não for criada uma alternativa, os meios vão fechar ou continuar subfinanciados e vulneráveis a outros interesses”, reitera.

Tal como fundador do Jornal Alto Minho, também a professora refere que a atratividade do jornalismo regional reside na “proximidade do meio”. Afinal, além do nacional, é este “o jornalismo que responde de forma mais eficaz às pessoas e as ajuda a tomar decisões”.

Por: Letícia Oliveira e Luciana Matos | Universidade do Minho
Fotografia: Letícia Oliveira e Luciana Matos | Universidade do Minho