Jornalistas em Portugal: há lugar para os mais jovens?

Jornalistas em Portugal: há lugar para os mais jovens?

A paixão pela política e pelo futebol atraiu Raúl Paula Santos para o mundo do jornalismo. Em 1985, tinha plena consciência da importância de ter formação universitária na área, mesmo que a maior parte dos colegas entrasse na profissão vinda de outras licenciaturas. Decidiu ingressar na Escola Superior de Jornalismo no Porto, na qual integrou a terceira turma desde que a instituição abriu portas. A meio do curso, em 1987, começou a trabalhar com a Rádio Renascença e lá permaneceu, até aos dias de hoje. “Anteriormente, tinha feito colaborações esporádicas no desporto, no jornal O Jogo e na imprensa regional de Vila Nova de Gaia”, lembra.

Atualmente, é editor da equipa do online. “Estar atento e perceber que as pessoas têm diferentes capacidades de adaptação” é a forma de o jornalista se ajustar à mudança e à evolução tecnológica. O profissional de informação recorda que “na rádio, havia inicialmente muita resistência para escrever para a internet”.

Raúl Paula Santos a trabalhar. Foto: Maria Carvalho

 

Foram os mais experientes a garantir a extensão para o digital: “Curiosamente, quem lançou o site da Renascença, ainda que muito rudimentar, foi um jornalista que já estava perto da reforma. Como era curioso com as tecnologias, pegou num grupo de estagiários e começou a fazer umas coisas.” Uma evolução à qual o jornalista se tentou adaptar, ainda que tenha optado por permanecer na sua zona de conforto. “Experimentei editar vídeo uma vez. Achei que não conseguia e nunca mais tentei”. Raúl Paula Santos sabe, no entanto, que nem todos podem escolher em que meio trabalhar. “É claro que um jovem de 25 anos não poderá dar-se a esse luxo”, reconhece.

 

 

Aos 24 anos, Tiago Serra Cunha é dos que não se pode dar a esse luxo, mas o forte sentido jornalístico alimentou a teimosia necessária para saber que caminho seguir. “Chegava da escola e, antes de ver os desenhos animados, assistia aos noticiários e imitava o pivot. Sempre quis ser jornalista. Desde pequenino. Nunca houve outro sonho ou desejo de profissão”, conta.

Tiago Serra Cunha é jornalista no semanário Expresso há dois anos. “Como sabemos, as condições não são as melhores. Sei que as coisas não estão definitivamente fáceis para nenhum de nós. Quer tenhamos mais ou menos anos na profissão”, refere. Ainda assim, o jovem repórter preserva intacta a esperança de “poder mudar alguma coisa”.

Como jornalista multimédia e de redes sociais, já sentiu alguma desvalorização face ao trabalho que realiza. “Colocar umas coisas no Facebook e fazer umas imagens para o Instagram parece rápido, não é? Mas demora muito tempo e exige trabalho porque o intuito é o de informar e levar as notícias, as reportagens e os podcasts às pessoas.”

Por outro lado, não é um trabalho automático, requer conhecimento do meio: “Um título pode ser muito bom para o site ou para o jornal em papel, mas no Instagram não vai resultar. Às vezes, há uma ideia um bocadinho errada, não só das pessoas mais velhas, mesmo da minha geração, de que não se é bem um jornalista igual aos outros.”

Profissão de desgaste

Há um lado de Raúl Paula Santos que se encontra um bocadinho desencantado”. Sentado nos estúdios da RR, explica que “não tem a ver com o jornalismo em si, mas talvez com a sociedade e também com o facto de ter 60 anos”. Se tivesse 25, continua, “não teria esta perspetiva”. Mas não significa que está pronto a baixar os braços: “Há algum desencanto, cansaço e, às vezes, algum desinteresse, mas também procuramos combater isso.”

Tiago Serra Cunha ainda fala em paixão, ao contrário de Raúl Paula Santos, que não se identifica com a palavra. “Gosto do que faço e gosto do jornalismo, mas não falo propriamente de uma grande paixão ou digo que jamais largaria isto”, assume. Ao contrário, Tiago Serra Cunha confessa que “tem de se ter paixão para aguentar certas pressões e ritmos de trabalho. Só gostando mesmo muito é que, se calhar, as pessoas ficam”.

O jornalista do Expresso reitera ainda que a paixão não deveria ser o único motivo a segurar um profissional nesta área. “As pessoas gostam e costuma-se dizer que correr por gosto não cansa, mas cansa, muito. Se gostarmos muito, se calhar, custa menos um bocadinho, mas continua a cansar.”

 

Tiago Serra Cunha na redação do Expresso. Foto: Maria Carvalho
Uma área multigeracional

Existirem pessoas mais velhas com memória e outras mais novas que trazem habilidade, energia e mais motivação é importante para o jornalista Raúl Paula Santos. “Essas misturas geracionais são boas”, considera. “As pessoas com mais experiência e mais anos de jornalismo trazem uma visão que alguém que entrou há dois ou três não possui”, destaca Tiago Serra Cunha. Para o jovem jornalista, é essencial existirem várias camadas geracionais dentro de uma redação: “É mesmo importante esta troca de experiências.”

Nascidas de telemóvel na mão, as gerações mais novas terão ideias frescas, defende Tiago Serra Cunha, mas não é uma condição suficiente. “É importante nós, por exemplo, passarmos para as editorias de Política dos jornais, porque é gente com imensa experiência e é crucial termos essa memória que não se adquire de um dia para o outro”, diz.

O maior conselho de Raúl Paula Santos dirigido aos jovens aspirantes a jornalistas é que “aprendam tudo o que têm de aprender e sejam curiosos”. Essa é, defende, uma característica essencial: “A curiosidade, ainda que não seja propriamente uma qualidade académica, é muito importante no jornalismo. Não se estuda curiosidade.”

As redações estão ou não a envelhecer?

De acordo com um estudo de 2016, desenvolvido pelo Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES), do ISCTE, em parceria com o Sindicato dos Jornalistas e o Observatório da Comunicação (Obercom), o jornalista-tipo, em Portugal, trabalha na área metropolitana de Lisboa, tem em média 40 anos e possui uma licenciatura ou, no mínimo, frequentou uma instituição de ensino superior. Ainda assim, Raúl Paula Santos considera que não é uma tendência evidente.  “Não acho que as redações estejam a envelhecer, não tenho essa ideia”, refere Raúl Paula Santos. Poderá, em cada meio de comunicação, haver pessoas que prolongam um pouco mais a sua atividade, mas sem que essa situação signifique uma redação sénior. “No caso da Renascença, se me perguntassem há dez anos, eu diria que estava envelhecida, mas hoje não está, seguramente”, aponta.

Já Tiago Serra Cunha tem uma ideia diferente, defendendo que, no geral, nota-se um certo envelhecimento: “É essencial termos pessoas com longas carreiras porque trazem uma visão que um jovem não vai ter. Ao mesmo tempo, é imprescindível esta renovação, trazer novas perspetivas, formas de trabalhar e olhares frescos sobre os mesmos assuntos de sempre.”

 

 

Para o jornalismo sobreviver, Tiago Serra Cunha reitera que é necessário que as camadas mais jovens se interessem pelo “melhor ofício do mundo”, como lhe chamou o prémio Nobel Gabriel García Márquez. “Faz parte deste trabalho trazer os jovens para o jornalismo e não dar-lhes só o que eles querem, mas  o que, se calhar, não sabem que precisam.”

A 3 de janeiro de 2024, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista contava com 5313 jornalistas inscritos. Deste número, 1572 profissionais encontram-se entre os 51 e os 60 anos, o mais elevado entre todas as faixas etárias. Apenas 526 têm entre 21 e os 30.

Por: Maria Carvalho | Universidade do Minho
Fotografia: Maria Carvalho