Tiago Dias: Por um caminho coletivo para fora do abismo

Tiago Dias: Por um caminho coletivo para fora do abismo

Somos hoje 5.321 jornalistas, menos 325 do que há 10 anos; metade de nós apresenta sinais elevados de esgotamento; quase dois terços já admitiram deixar a profissão; há 10 anos o maior diário impresso tinha uma circulação maior do que têm hoje – impressos – os quatro diários generalistas nacionais somados ao principal semanário (dados da APCT para os terceiros trimestres de 2013 e de 2023).

Os diagnósticos estão feitos: a transição para o digital abriu comportas que ainda se estão a tentar fechar, as redes sociais tomaram uma fatia grande do que era o negócio, apropriando-se do trabalho jornalístico sem o pagamento devido, a precariedade laboral aprofundou-se, o crescimento das agências de comunicação avassalador, contribuindo para o esbater da fronteira entre o nosso trabalho e o comercial. Face a isto, como sair daqui?

O escritor russo Fiodor Dostoievsky escreveu que “todos somos responsáveis por todos e eu mais que os outros”. Este pensamento deve nortear as nossas ações, agora e no futuro.

O caminho deve ser tomado em conjunto e um congresso é o melhor sítio que temos para o fazer, visto que não existem espaços de partilha e discussão fora dele. Que se saúde a sua realização e que ele regresse num futuro muito próximo, sob o risco de se realizar sobre um ainda maior monte de cinza.

Para começar, temos de exigir uma maior responsabilização do coletivo pelo coletivo e de uma autorregulação que o seja de facto. Para sermos exigentes com os poderes que queremos fiscalizar temos de ser exigentes a começar pela nossa casa. O espeto de pau partiu-se na casa do ferreiro e não dá mais.

Não podemos continuar a viver num cenário com reguladores dispersos que acabam por fazer aquilo que acontece quando as competências são assim espalhadas: (pouco ou) nada, apesar dos milhões de euros orçamentados a cada ano que passa, incluindo os nossos 70 euros bienais. Temos de exigir mais e melhor. Não apenas dos reguladores, mas uns dos outros. Temos de lutar com unhas e dentes pela nossa credibilidade.

Temos de saber dizer não. Não às “declarações sem direito a perguntas”. Não ao material sem filtro vindo de qualquer instituição. Não às portas giratórias entre jornalistas e assessorias para de novo regressarem a ser jornalistas com carteira e assim por diante. Não ao esbater das fronteiras entre o comercial e o editorial para mais confundir o público.

Temos de ir além das palavras e parar para pensar no que significa quando dizemos que somos um dos pilares da democracia. O trabalho diário que fazemos deve ter em mente o seu papel no panorama maior que é o regime político português e a noção de que a liberdade não é eterna e que há forças que a querem limitar, agora que já se desfez a ilusão de que Portugal vivia uma qualquer exceção de sonho.

Temos de exigir mais do legislador e reivindicar que aja em vez de encher a boca de declarações vazias sobre a importância do jornalismo que, à primeira oportunidade, rasgará, dizendo algo como, por exemplo: “É preciso refletir sobre esse assunto”. Que tome medidas concretas.

Que se implementem medidas de incentivo às assinaturas ou aos donativos diretos às empresas jornalísticas. Que se permita que a consignação do IRS também se aplique aos meios jornalísticos. Já. Não daqui a 10 anos. Daqui a 10 anos não vai sobrar quase nada.

O Governo introduziu no Orçamento do Estado uma verba para o cheque-livro, prometido há anos. Por que não um cheque-jornal, que permita a quem o utilize assinar um meio de comunicação social à sua escolha?

Temos de exigir a participação nas tomadas de decisão que afetam a gestão financeira das redações. A Lei da Imprensa prevê que os conselhos de redação se pronunciem sobre “todos os setores da vida e da orgânica da publicação que se relacionem com o exercício da atividade dos jornalistas, em conformidade com o respetivo estatuto e código deontológico”. Que se faça cumprir e que as redações sejam participantes ativas nas decisões que determinam o seu futuro.

Apenas 1 em cada 10 portugueses paga por notícias em meios digitais, um dos valores mais baixos dos avaliados no Digital News Report. Em simultâneo, Portugal é o terceiro país – em 46 – onde mais se confia no jornalismo que se lê, vê e ouve. Temos de tirar fazer por merecer essa confiança e dar razões aos públicos para contarem connosco.