Sofia Craveiro ‘et al.’: O Jornalismo Precisa de Financiamento Público

Sofia Craveiro ‘et al.’: O Jornalismo Precisa de Financiamento Público

Os últimos 10 anos têm sido marcantes para os media em Portugal. Existem mais de 20 media não tradicionais inscritos na ERC. Mas este universo continua marcado por grandes dificuldades: limitações financeiras, poucos recursos humanos e técnicos e serem conhecidos por um número limitado de leitores. Esta moção defende um mecanismo tripartido de financiamento assente nas doações dos leitores, em bolsas filantrópicas e no financiamento público. O Estado deve criar modelos públicos de financiamento.

O jornalismo é um serviço público essencial à democracia, mas, para o ser verdadeiramente, tem de ser plural. Tem de ser um jornalismo para a maioria, não para uma minoria. A existência de um campo mediático com linhas editoriais, formatos, periodicidade e abordagens diversas é uma exigência democrática. Tão essenciais como a cobertura e o acompanhamento das realidades atuais são a investigação, a análise e o aprofundamento sem tempo definido.

Os últimos dez anos têm sido marcantes no universo dos órgãos de comunicação social não tradicionais em Portugal. No pós-crise económico-financeira de 2010, muitos (jovens) jornalistas entenderam haver um caminho distinto, ainda que complementar, ao das redações consideradas tradicionais. Surgiram vários órgãos de comunicação social não tradicionais, inovando na sua abordagem jornalística, fosse no modelo de negócios ou no formato e método jornalístico. Há media de investigação em formato escrito, podcast e multimédia; há media culturais; há media sobre tecnologia; há media locais; há media sobre clima e ambiente; entre outros, que começaram a colaborar entre si.

Há quase dez anos que estes órgãos de comunicação social têm reivindicado a necessidade de maior aprofundamento, investigação e proximidade com as comunidades sobre as quais trabalham. Fazem-no olhando para o jornalismo como serviço público, garante do direito à informação, e por isso de livre acesso. Nasceram de associações e coletivos que acreditam no jornalismo comunitário, exigente e que não cede à constante pressão do imediatismo, que não está associado a empresas privadas e se financiam rejeitando a lógica de distribuição de lucros. Praticam um jornalismo de acesso livre, sem paywalls, que não ergue muros a quem lhes deseja aceder, principalmente numa era em que a desinformação grassa.

Em 2023, existem mais de duas dezenas de órgãos de comunicação social não tradicionais registados na Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Profissionalizaram-se (uma das fragilidades deste universo de media em todo o mundo) e usam metodologia e deontologia jornalística, mostrando pela prática outros caminhos no jornalismo. Fortalecem a pluralidade informativa e a democracia.

Não se apresentam, no entanto, como alternativa aos meios de comunicação social tradicionais (nem desejam criar divisões artificiais entre redações e a classe jornalística), mas como complemento, enriquecendo o jornalismo nacional e local. No entanto, este universo continua marcado por grandes dificuldades: limitações financeiras, poucos recursos humanos e técnicos e serem conhecidos por um número ainda limitado de leitores, o que tem impacto no número de subscrições que arrecadam anualmente. Enfrentam o difícil desafio de balançar a escolha do jornalismo que fazem com a garantia de sustentabilidade financeira. Daí que os modelos de financiamento, principalmente o público, mereçam ser debatidos.

Vivemos num país sem tradição de mecenato, ao contrário de outros países, como os Estados Unidos da América ou a Alemanha, e sem modelos de financiamento público. Não existem hoje bolsas para investigação jornalística e muito menos bolsas estruturais em Portugal. A União Europeia é, para muitos destes media, a única opção de financiamento estrutural e o apoio dos leitores tem sido essencial, mesmo quando o modelo de subscrição ainda está a consolidar-se num país dominado por precariedade e baixos salários.

Não é, por isso, de admirar que a abrangência do jornalismo em Portugal esteja há décadas em decadência, com muitos territórios sem qualquer cobertura noticiosa. Mais de metade (53,9%) dos concelhos do país é, ou está, na iminência de se vir a tornar deserto noticioso, de acordo com o relatório Desertos de Notícias Europa 2022: Relatório de Portugal, da Universidade da Beira Interior. Não há em 182 dos 308 concelhos (59%), jornais impressos que façam cobertura noticiosa frequente e em 157 não existe qualquer meio digital. Aos poucos, por falta de modelos adequados de financiamento, perdemos um número significativo de títulos locais que talvez pudessem ser salvos se existissem apoios públicos ou filantrópicos consistentes.

O jornalismo é um pilar essencial de uma sociedade democrática e o caminho percorrido até agora tem sido preocupante. O Estado deve assumir a responsabilidade de criar modelos públicos de financiamento para as redações, garantindo assim a pluralidade informativa. O financiamento do jornalismo não pode ser relegado à iniciativa privada e esta discussão não pode ser ignorada pelo V Congresso de Jornalistas. Não deixa, portanto, de surpreender o facto de as realidades destes media não tradicionais estarem omissas nos painéis de um dos principais eventos da classe jornalística portuguesa.

Proposta

Defendemos um mecanismo tripartido de financiamento do jornalismo não tradicional, que assente nas doações dos leitores, em bolsas filantrópicas e no financiamento público estrutural. Sendo um serviço público, o jornalismo merece ser reconhecido como tal. Neste sentido, propomos ao V Congresso de Jornalistas:

  1. O reconhecimento e o debate do financiamento público do jornalismo, assumindo a importância de se criarem modelos de financiamento.
  2. A criação de um grupo de trabalho, com o envolvimento das estruturas representativas e que regem a profissão de jornalista, para se redigir propostas sobre modelos de financiamento do jornalismo ao mesmo tempo que garantem a total independência das redações.
  3. O envio desta moção, enquanto posição coletiva deste Congresso, à Assembleia da República, aos grupos parlamentares que promovam uma sociedade mais democrática, igualitária e informada, para reforçar o debate político sobre esta temática.

Subscritores

Ana Adriano Mota, TP-1345
Ana Patrícia Silva, CP 8466
Bernardo Afonso, CP 7698
Filipa Queiroz, CP 7823
João Biscaia, TPE-479
João Ribeiro
Lucas Grimault de Freitas, TPE-231 A
Margarida David Cardoso, CP 6999
Maria Almeida, CP 8280
Mário Rui André
Marta Lança
Nuno Viegas, CP 7864
Ricardo Esteves Ribeiro, CP 7712
Ricardo Cabral Fernandes, CP 7628
Rui André Soares, TPE 762
Sofia Craveiro, CP 8063
Sofia da Palma Rodrigues, CP 7090