Micael Pereira e Filipe Teles: In Vino Veritas

Micael Pereira e Filipe Teles: In Vino Veritas

Com o modelo de negócio do jornalismo em falência, e quando alternativas sustentáveis teimam em surgir, o jornalismo rigoroso e aprofundado, necessário para uma democracia saudável, está seriamente ameaçado. Como o jornalismo é um serviço público, propomos a criação de um fundo público que atribua bolsas de jornalismo, apoie projetos de jornalismo de investigação ou de proximidade sem fins lucrativos e projetos académicos. Esse fundo será financiado através do aumento da taxa do IVA do vinho.

Considerando que:

O modelo de negócio que sustentou o jornalismo durante o século XX está em falência e tem sido muito difícil encontrar modelos alternativos que sejam financeiramente sustentáveis.

Num cenário de perdas financeiras e de despedimentos constantes, a propriedade dos média tem sido transferida para as mãos de companhias e fundos opacos ou indivíduos com perfis questionáveis, acentuando a crise do sector e contribuindo para a perda de confiança dos cidadãos no jornalismo.

A necessidade desesperada de atrair audiências tem conduzido a uma produção intensiva de conteúdo por redações com recursos humanos cada vez mais limitados, o que tem levado a uma exaustão permanente dos jornalistas, a uma degradação dos critérios de qualidade, da capacidade de reflexão e de decidir de forma ponderada que histórias fazer e não fazer.

Apesar da produção massiva de conteúdo, há histórias fundamentais que deveriam ser investigadas, mas não são, por falta de recursos e por estarem demasiado distantes de uma agenda noticiosa desenhada muitas vezes para e pelas redes sociais, o mesmo se passando relativamente à ausência de uma cobertura aprofundada do que se passa nas comunidades locais de muitas geografias do país, incluindo nos subúrbios das grandes cidades.

Temos uma nova geração de jornalistas e de estudantes que sonham poder fazer a diferença. E que estão disponíveis para trabalhar com jornalistas mais experientes e de contribuírem, juntos, para um equilíbrio do jornalismo em Portugal. Uma geração que quer que o seu contributo tenha um impacto positivo na comunidade, ajudando a formar cidadãos esclarecidos e que se sintam parte do debate público.

Não há democracia sem jornalismo. Um jornalismo rigoroso, aprofundado e que dê contexto sobre o que se passa nas nossas comunidades deve ser considerado um serviço público.

Considerando, por outro lado, que:

Portugal aplica ao vinho a taxa de IVA mais baixa da União Europeia: 13%. Em Espanha, os consumidores pagam 21% de IVA sobre o vinho que compram. Em Itália, 22%. Em contrapartida, em Portugal a cerveja e as bebidas espirituosas pagam 23%.

Portugal é o país que mais consome vinho per capita no mundo. Em 2021/2022, segundo o INE, esse consumo foi de 58,2 litros por ano, comparado com 49,3 em 2017/2018, o que significa um aumento de 18% em quatro anos.

A taxa de IVA de 13% é aplicada apenas ao vinho vendido em lojas e supermercados e abrange quer o vinho português, quer o vinho estrangeiro, o que significa que essa taxa não afeta a competitividade da produção nacional face ao vinho de outros países. Na restauração, a taxa aplicada é de 23% e o vinho exportado para distribuição na União Europeia e no resto do mundo não paga IVA.

O sector do vinho tem mostrado sinais de possuir uma boa saúde financeira e de continuar em expansão, não apenas no consumo dentro de fronteiras mas também nas exportações, mostrando que está aparentemente preparado para enfrentar uma subida do IVA de 13 para 23% nas lojas e nos supermercados em Portugal.

Segundo o Instituto da Vinha e do Vinho, Portugal exportou 942 milhões de euros em vinho em 2022, mais um terço do valor exportado dez anos antes, em 2012. No mercado interno, em 2022 as vendas de vinho na restauração atingiram 589 milhões de euros, enquanto na distribuição para lojas e supermercados alcançaram 536 milhões de euros, o que significa que o aumento da taxa do IVA representaria uma verba de quase 54 milhões de euros, caso não houvesse um aumento de preço para o consumidor final e tendo em conta os números de 2022.

Propomos para votação a seguinte proposta, que, caso seja aprovada em plenário no V.o Congresso de Jornalistas por uma maioria simples de jornalistas, deverá ficar disponível online como uma petição pública aberta à participação de todos os cidadãos, de modo a reunir as assinaturas suficientes para ser submetida à Assembleia da República e apreciada pela Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, com o objetivo de se converter em projeto-lei:

  1. O V.o Congresso de Jornalistas propõe a criação de um Fundo Público de Apoio ao Jornalismo, de âmbito nacional, doravante designado de Funjor, com a missão de atribuir bolsas para a prática de jornalismo de investigação e de jornalismo de proximidade por jornalistas residentes em Portugal e, ao mesmo tempo, financiar a constituição e manutenção de projetos de jornalismo sem fins lucrativos cujo objetivo seja a produção de jornalismo de investigação e/ou jornalismo de proximidade. Poderá ainda apoiar a realização de projetos de âmbito académico que visem o estudo de modelos de negócio capazes de garantir a sustentabilidade financeira do jornalismo de investigação e do jornalismo de proximidade;
  2. O Funjor terá como única fonte de financiamento a totalidade da receita fiscal obtida pelo Estado com um aumento da taxa do IVA aplicada ao vinho de 13 para 23% nas lojas e nos supermercados;
  3. O Funjor terá um conselho supervisor formado por onze (11) representantes de onze (11) instituições. Cinco dessas entidades estão ligadas ao jornalismo: Casa da Imprensa, Clube de Jornalistas, Sindicato dos Jornalistas, Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas e Cenjor. As outras seis entidades, ainda por identificar, são de reconhecido mérito e idoneidade e representam a sociedade civil portuguesa.
  4. Os 11 membros do conselho supervisor serão responsáveis por propor e eleger, por maioria simples, o(a) diretor(a) do Funjor, que assumirá esse cargo a tempo inteiro por um mandato de três anos, e que poderá ser renovável.
  5. O Funjor terá recursos humanos próprios, de modo a garantir a execução do seu orçamento e a gestão dos programas que terão de ser montados para a atribuição de bolsas de jornalismo e de subsídios à constituição e manutenção de projetos de jornalismo sem fins lucrativos.