Rui Nunes: Que Lusa para o século XXI? – Um contributo (2.0)

Rui Nunes: Que Lusa para o século XXI? – Um contributo (2.0)

Os profissionais estão de pantanas. Fora da área, os sinais são trágicos. Neste quadro, a Lusa é um mar de tranquilidade e ‘farol’ potencial de pertinência, relevância e seriedade, mas também fonte de preocupações. Seja como for, o futuro da humanidade depende da resposta à ruptura climática global, prevenção do ecofascismo incluída.

Os profissionais estão de pantanas – faz-se rádio de manhã e engoma se a roupa da esposa do patrão à tarde, alude-se a assédio, constatam-se dependências, declaram-se frustrações, evidenciam-se desqualificações, identificam-se dilemas éticos, lamentam-se precarizações, refere-se o peso das fontes…

As empresas estão a ruir – os exemplos atropelam-se.

O setor está em descalabro – incapaz de se adaptar à alteração da envolvência, quiçá em crise existencial, dispensável no tecnofeudalismo (Varoufakis).

Por junto, a baixa de qualidade da oferta [e o aumento de infotainment, opinião e intriga] reflete a degradação do contexto, a inviabilização dos suportes das notícias, a deterioração das redações. Apostas no contrário são heróicas. Segundo Nobre-Correia, “(…) a paisagem mediática portuguesa é pobre e pratica um jornalismo que não está à altura das necessidades da democracia…”

Fora da área, os sinais são trágicos.

A turbulência geopolítica, resultante da disputa brutal de recursos, do choque de interesses, com traços de genocídio, veio agravar o fenómeno menos mediático, mas mais decisivo, da ruptura climática global (RCG). Agravar, ao comprometer a cooperação e impor uma lógica de curto prazo. Por junto, o quadro das relações internacionais, já de si instável, degradou-se – e teme-se o pior.

Por cá, longe dos contextos de Anna Politkovskaya, Daphne Caruana Galizia, Dmitri Muratov, Jamal Khashoggi, Maria Ressa, Shireen Abu Akleh, da centena de jornalistas assassinados agora na Faixa de Gaza, entre tantos (demasiados) outros, vemos considerações como as de Rodrigo Guedes de Carvalho – “A qualidade média, humana e intelectual das lideranças e dos políticos em Portugal tem baixado bastante” – ou António Guerreiro, que aponta uma “(…) trágica situação: há mais inteligência política na rua do que nos lugares institucionais do discurso político, onde o pressuposto é o de que somos todos estúpidos (…)”.

Neste quadro, a Lusa é um mar de tranquilidade e ‘farol’ potencial de pertinência, relevância e seriedade, mas também fonte de preocupações. Mar de tranquilidade, por beneficiar da proteção estatal.

‘Farol’ potencial, porque a concretização requer o tratamento efectivo e sério do que é essencial.

Fonte de preocupações, pela falta de garantia da existência e integração de estratégia, financiamento e liderança, que permita um serviço de informação e notícias de interesse público relevante e de qualidade.

O futuro, com o recomendável reforço do peso acionista do Estado, deve incluir um controlo por uma entidade externa. Esta tem de integrar os principais interessados na produção da Lusa [autarquias, comunidades, ONG (pobreza, ambiente, minorias, imigrantes, …), partidos, sindicatos, universidades, …] e outros, como jornalistas veteranos e personalidades ‘senadoras’. Deve também existir um controlo parlamentar. Para começar, recomendam-se auditorias externas à produção editorial e gestão de recursos humanos.

Seja como for, o futuro da humanidade depende da resposta à RCG, prevenção do ecofascismo incluída. Em bom rigor, a crise é sistémica, de um modo social de produção e consumo, não climática. ONU, cientistas e ativistas realçam a gravidade da situação. Mas mencionem-se também, entre tantos, Bill Moyers – “What if we covered the climate crisis like we did the start of the second world war?” – e Stiglitz: “The climate crisis is our third world war”.

Por junto, desejamos que a crítica de Monbiot seja invalidada – “In mediaworld, a place that should never be confused with the real world, celebrity gossip is thousands of times more important than existential risk” – e o exemplo dos meios reunidos no Covering Climate Now replicado.