Rita Neves Costa: A paixão e maior fraqueza
Esta é uma comunicação onde faço uma retrospetiva dos últimos seis anos na profissão. Em 2017, no último congresso, estava a frequentar um mestrado em Jornalismo. Desde aí e até 2023, conheci a realidade dura das condições de trabalho e a degradação do jornalismo por forças externas, as quais não conhecemos o rosto, e que culminou, no final do ano, na participação na minha primeira greve. Acredito eu que foi uma das paralisações mais significativas da História do jornalismo em Portugal.
Janeiro de 2017. Quarto Congresso dos Jornalistas. Estava a arrancar o meu percurso profissional como jornalista, já depois de realizar dois estágios curriculares. Naquele mês de 2017, durante os dias do congresso, escrevi um texto sobre jornalismo. Fui relê-lo, no final de 2023, e já não me revia naquela jovem de 22 anos. Muito embora as palavras fossem e sejam minhas. Confesso que o romantismo da profissão me iludiu, ainda me deixo levar por ele e havia (claro está) alguma ingenuidade à mistura. Em pouco mais seis anos de profissão, conheci a incerteza de trabalhar a recibos verdes, vi gente desiludida e desgastada com a profissão e, por consequência, a abandoná-la. Senti na pele a injustiça de preservar e proteger um bem público, o jornalismo, à custa de baixos salários, pagos a profissionais altamente qualificados. Muitos deles, jovens jornalistas, que não conseguem resistir na profissão, devido aos rendimentos tão pouco dignos para eles próprios e para a profissão. E nada disto faz parte do passado. Como se não bastasse o estado a que aqui chegamos, em 2023, participei na minha primeira greve e escondi o embaraço de me colocar em frente a câmaras para defender não só o meu posto de trabalho, como o dos meus colegas, para defender o JN, o jornalismo e acredito eu, a democracia. Aquele mesmo embaraço que, por vezes, nos martiriza e aprisiona, uma velha máxima de que os jornalistas não devem ser notícia. Durante dois dias de paralisação, o JN não saiu para as bancas e fê-lo para responder a um dos mais violentos ataques à redação e à profissão. Eu estive em protesto, no Porto, à porta do Conselho de Ministros. E sim, a greve foi (e bem) notícia, porque não podíamos mais ficar calados. Ao meu lado, em protesto, estiveram camaradas com mais anos de profissão do que eu tenho de vida e outros tantos, mobilizados, na linha da frente, com menos de cinco ou dez anos de profissão. Os mais jovens, os salários mínimos, os precários (porque a precariedade tem muitos rostos) e os que dedicaram quase toda uma vida ao JN. Estávamos (e estamos) juntos na luta pelo jornal que viverá para além de nós. 135 anos não se constroem do nada, nem se vergam perante interesses de quem não conhecemos o rosto. Não foram só naqueles dois dias que conhecemos a força das pessoas que fazem, todos os dias, o JN. A menos de um dia do Natal, conhecemos a força do jornalismo em Portugal, quando se gerou uma onda de solidariedade para apoiar os colaboradores, trabalhadores a recibos verdes, que ainda não tinha recebido o pagamento dos trabalhos feitos em outubro. Não há notícias sem jornalistas, não há democracia sem jornalismo. O que eu não sabia em janeiro de 2017, ou pelo menos não tinha a total consciência, é de que ser jornalista cola-se à nossa identidade. É uma forma de ver e a analisar o Mundo. É a nossa maior riqueza e, ao mesmo tempo, a nossa maior fraqueza. É, pelo menos, a minha.