Frederico Bártolo: a situação no Global Media Group
Esta comunicação tem o intuito de alertar para a fragilidade do panorama mediático português, novamente visível pela entrada do World Opportunity Fund no Global Media Group, tendo como meta imediata terminar o vínculo com um número que pode chegar a 200 trabalhadores. Revela, cronologicamente, as sensações vividas pelos profissionais de JN, DN, TSF, O JOGO e Global Imagens e quer ser um mote para a luta e união da classe, pedindo ação governativa e uma regulação mais eficiente.
Boa tarde a todos, o meu nome é Frederico Bártolo, sou jornalista de O JOGO. Desde 2017 que estou nesta equipa, primeiro como colaborador, depois como elemento dos quadros a partir de 2020. Desde 2020 até aqui, só eu entrei nos quadros, com contrato sem termo, na redação de Lisboa. Os meus colegas viram uma mão cheia de despedimentos coletivos nos últimos 20 anos. Viram editores, revisores, fotojornalistas, editores de fotografia e gráficos saírem empurrados. Quando fomos informados de que um fundo passaria a governar o nosso quintal, olhámos para a cerca, sem nos preocuparmos muito com o que se via da pequena frecha. Em novembro, quando nos foi comunicado um corte indefinido no nosso jornal ainda confiámos que, por milagre, um meteoro pudesse cair apenas no relvado ao lado. Utópico. Foi assim que nos acomodámos a mais uma tormenta: convencemo-nos de que ia passar. Até sabermos que estavam contratados 35 profissionais para um grupo que esse mesmo Conselho de Administração quer delapidar. Na sua maioria consultores e assessores. Até ficarmos condenados a duodécimos no subsídio de Natal e vermos o vencimento de novembro atrasar. Estava claro que pouco interessava ao quintal sobreviver se nada do que estiver ao lado resistir. A matemática mostrou-nos a objetividade da realidade: 150 a 200 despedimentos. Sabendo que o grupo pagou em 2020/21 7 milhões em indemnizações e que lamenta ter dívida anual entre 7 a 9 milhões fica claro de que não é com despedimentos que a empresa se vai levantar. A quinta organizou-se e agora não esperamos que nos caia a ração. Até porque em dezembro não caiu, atrasou, sem prazo de entrega.
Questionamos, com a história deste grupo, como se pode afirmar que estas publicações deviam estar “há muito fechadas”; insurgimo-nos com uma administração que tenta forçar direções a nomear pessoas, indiscriminadamente, para a linha de tiro. Enfurecemo-nos com uma entidade reguladora para a comunicação social que não consegue decifrar as motivações de um fundo sediado nas Bahamas, lamentamos que mantenhamos, jornalistas, um pejo em pedir ajuda estatal para salvar carreiras e vidas. Quando lutamos junto às federações pelo fair-play, pela diversidade e igualdade de género. Pela justiça, pelo mérito. Revoltamo-nos porque mesmo seguindo os códigos deontológicos, mesmo renovando a carteira profissional de dois em dois anos, mesmo enfrentando as pressões económicas e editoriais, somos animais domesticados de administradores que não têm de respeitar as regulamentações inerentes à função de guardião da notícia e, em suma, de protetor da democracia.
Porque a Global Media Group não é em si um produto, é sim cada jornal, com a história e identidade de quem o escreve. A TSF gravou momentos históricos do nosso país, o DN é o maior arquivo noticioso do país, o JN é o bastião do jornalismo generalista vocacionado para o local e para as estórias do dia a dia. O JOGO, um símbolo de que o desporto e o pluralismo também contam. A Global Imagens, de guardador de memórias visuais de tanto que assistimos com incredulidade.
Vivemos cada dia destes últimos meses como se fosse o último. Indo ao parlamento, reunindo com a CGTP, organizando greves. Dando força a quem, do outro lado da vedação da nossa quintinha, nos perguntava se já sabia se os vencimentos tinham sido processados. Hoje, falamos pelos camaradas independentes que são fulcrais a uma produção diária e que, por abnegação, trabalharam semanas sem receber. Apenas por compaixão. Falamos pelos que abandonaram tristes, sozinhos, sem poder fazer a missão a que se candidatavam. Hoje falamos por todos os que ainda almejam ter um contrato coletivo de trabalho justo.
Amanhã não sei se sou um homem do jornal desportivo. Amanhã só quero ser jornalista e ajudar, no que puder, outros a quererem ser, eles mesmo, os historiadores da atualidade. Assim tem de ser até que a nossa quinta seja agrupada para evitar vendavais. Enquanto nos deixarem, amanhã é sempre dia de escrever mais uma jornada de luta.