Raúl Reis: Comunicação Social na diáspora

Raúl Reis: Comunicação Social na diáspora

O que é um órgão de comunicação social da diáspora? Será jornal português aquele que escreve apenas na língua de Camões ou pode ser bilingue, ou mesmo adotar a língua do país de acolhimento? Será aquele que é propriedade de portugueses emigrados? O conteúdo define a “nacionalidade” do meio de comunicação? Podemos definir um órgão de informação da diáspora portuguesa, à volta de cinco pontos: a proximidade das comunidades portuguesas; conteúdos relativos às comunidades; servir de plataforma a articulistas da diáspora; escrever e falar português e fornecer conteúdos informativos regularmente seja qual for o formato e o meio.

Quando se fala de comunicação social da diáspora – e há pelo mundo mais de 160 meios de comunicação dedicados à nossa emigração – ocorrem várias questões sobre a sua definição. Será jornal português aquele que escreve apenas na língua de Camões ou pode ser bilingue, ou mesmo adotar completamente a língua do país de acolhimento? Será rádio portuguesa aquela que é propriedade de portugueses emigrados ou continua a sê-lo se pertencer a “nativos” desde que continue a falar português? Será o conteúdo que define a “nacionalidade” do meio de comunicação? Ou seja, se um “media” tratar a informação das comunidades portugueses em inglês estaremos perante um jornal da diáspora? E, numa época de transformação da paisagem informativa, serão meios de comunicação as páginas nas redes sociais ou os blogues?

Aqui se propõem algumas bases para ajudar a definir o que é um órgão de informação da diáspora portuguesa, à volta de cinco pontos essenciais: 1) a proximidade das comunidades portuguesas – parece difícil fazer informação para os emigrantes sentado numa redação em Portugal; 2) fornecer conteúdos relativos às comunidades e outros que sejam do seu interesse; 3) servir de plataforma a articulistas da diáspora, 4) escrever e falar português e 5) fornecer conteúdos informativos regularmente seja qual for o formato e o meio.

A questão linguística é a mais polémica, sendo debatida por muitos dos jornalistas da diáspora, sobretudo em países em que a língua local é de origem latina – na Venezuela a opção pelo espanhol tem sido quase unânime – e/ou onde a pressão política e social da língua nacional como veículo de integração é enorme, como é o caso de França.

Ao defensores do argumento de que a língua do país de acolhimento facilita o acesso às segunda e terceira gerações deve ser contraposto que é pena que esses lusodescendentes deixem de compreender português. Mais: bons “media” que escrevam e falem a língua dos antepassados serão uma motivação para as novas gerações a mantenham viva.

A falta de profissionais qualificados para produzirem conteúdos em português, se já foi um argumento válido noutros tempos, passou a ser uma falácia por causa da emigração de diplomados dos últimos anos, e porque também é fácil recrutar jornalistas residentes em Portugal para exercerem a sua profissão na e para a diáspora. Parece-me óbvio que para ser jornal, rádio ou outro meio de comunicação das comunidades portuguesas – e na definição atrevo-me a incluir blogues e páginas relevantes nas redes sociais – deve escrever-se e falar a língua de Camões. Esta opção é mais um fundamento para que esses “media” sejam apoiados pelo Estado português.

Se ouvirmos a maioria dos jornalistas das comunidades portuguesas pelo mundo, somos confrontados com constantes manifestações de descontentamento sobre a relação com o Estado português. Dirão que em 1998 e em 2000, mas também em 2012 e em 2015, participaram em encontros dos meios de comunicação da diáspora onde se debateram ideias para melhorar a situação – sempre periclitante – dos meios de comunicação da diáspora mas que nada aconteceu. Nem Portugal os ajudou nem conseguiram organizar-se para lograr um maior grau de cooperação.

Vamos na segunda tentativa de criar uma estrutura constituída e destinada aos meios de comunicação da diáspora portuguesa, a “Plataforma” a que presido.

Estão mapeados cerca de 160 meios de comunicação da diáspora no mundo, sendo a Europa e a América do Norte os continentes que mais contribuem para este número com perto de uma centena, seguidos de perto pela América do Sul umas dezenas. No espaço Ásia-Oceânia registam-se mais de vinte projetos jornalísticos e em África um pouco menos.

A Plataforma – Associação dos Órgãos de Comunicação Social Portugueses no Estrangeiro existe há quatro anos, mas não conseguiu superar as resistências e as dúvidas de muitos desses jornalistas da diáspora que consideram difícil uma verdadeira colaboração entre estruturas tão díspares e, na maioria dos casos, dependentes de um reduzido número de voluntários.

O governo, depois de os ter ajudado, de forma quase simbólica, durante a pandemia, acaba de alterar a legislação dedicada aos apoios às associações da diáspora para integrar um novo capítulo dedicado aos meios de comunicação.

Foi publicado em 27 de dezembro, no Diário da República, o decreto-lei nº 122/2023 que cria o “Programa de Apoios à Comunicação Social da Diáspora Portuguesa”, iniciativa que a Plataforma tem vindo a solicitar, desde a sua criação, ao governo português. As comunidades merecem apoio para os diferentes suportes – jornais, revistas, rádios e televisões – que editam em português no mundo e que oferecem um serviço de proximidade e de informação ímpar.

Estes órgãos de comunicação social asseguram um verdadeiro “serviço público” pois ao informar promovem a integração social, cultural, política e económica dos portugueses nos países de acolhimento, reforçam a sua ligação com Portugal, consolidam laços de solidariedade entre os membros da comunidade, enquanto promovem a cidadania nas comunidades portuguesas e valorizam a língua e cultura portuguesas em todo mundo.

Por isso, a Plataforma congratulou-se com a decisão do Conselho de Ministros e prometeu acompanhar de perto a aplicação deste decreto-lei, mas lamentou não ter sido consultada. Numa primeira análise, muitas dificuldades práticas aparecem nesta nova legislação.

A principal dificuldade de acesso a estes apoios prende-se com o facto de ser exigido que os ‘media’ das comunidades estejam reconhecidos como tal nos países onde operam. A legislação portuguesa relativa à publicidade institucional encontrou este ano uma solução para “reconhecer” os órgãos de comunicação social da diáspora junto da ERC e essa parece ser uma abordagem simplificada e que pode ser eficaz. Contudo, o governo optou por uma solução menos fácil que pode excluir do acesso aos apoios grande parte dos potenciais interessados, cujas estruturas são extremamente variadas, tal como o é a legislação dos países de acolhimento que muitas vezes impede o acesso destes ‘media’ ao reconhecimento oficial das suas atividades jornalísticas.

Por outro lado, o decreto-lei nº 122/2023 não parece poder contribuir diretamente para a sobrevivência da imprensa das comunidades portuguesas – num período de grandes dificuldades – já que se aplica apenas a projetos específicos e pontuais, não permitindo apoios para as atividades correntes dos meios de comunicação social. Os órgãos de comunicação social portugueses no estrangeiro não necessitam de apoios para fazerem “projetos específicos e pontuais”, necessitam de apoios para sobreviver.

O contexto económico mundial continua perturbado e a concorrência das redes sociais, muitas vezes com informação superficial ou mesmo falsa, necessita de ser contrabalançada com conteúdo jornalístico de qualidade.

Portugal esteve demasiado tempo alheio à vida destes órgãos de comunicação social que exercem em meios quase completamente ignorados pelos seus colegas dos ‘media’ portugueses, por isso, a Plataforma congratula-se com a decisão do Conselho de Ministros de criar este sistema de apoios – tal como os ‘media’ da diáspora foram incluídos na publicidade institucional – mas a aplicação prática deste Decreto-Lei revela dificuldades de execução e um grau injustificado de desconhecimento da realidade da diáspora portuguesa e dos seus media.