Miguel Santos: Jornalismo de proximidade no distrito de Castelo Branco

Miguel Santos: Jornalismo de proximidade no distrito de Castelo Branco

Procura esta comunicação fazer uma pequena abordagem sobre a realidade do trabalho dos jornalistas no distrito de Castelo Branco e os desafios com diariamente enfrentam. Versa sobretudo aquela que é a realidade das rádios e jornais baseado em casos concretos e facilmente identificados.

Aqui estamos, sete anos depois, a realizar o quinto congresso dos jornalistas portugueses. Fazemo-lo numa altura em que a nossa profissão está cada vez mais ameaçada. O congresso de 2017 decorreu sob o lema da mudança. Mudámos? Sim. Para pior. Por isso quero começar por deixar uma palavra de solidariedade aos camaradas do grupo “Global Média” pelo momento muito difícil que estão a atravessar.

Porque é que estamos pior? Vou falar-vos da realidade do meu distrito. Castelo Branco. Tem 11 concelhos, cerca de 10 publicações, alguns são semanários de referência e 6 rádios. É um distrito onde não existem “desertos de notícias” uma vez que quase todos fazem uma cobertura abrangente e não se limitam a exercer a actividade no concelho onde estão sediados.

No meu distrito, e sobretudo depois da “explosão” das redes sociais, foram criadas várias páginas que se autointitulam como jornais e até televisões. E aqui começa um dos problemas mais sérios que enfrentamos; a descredibilização. Porque depois somos “todos iguais”. E com todo o respeito, não. Não somos. O que é que isto origina? Problemas comerciais, de financiamento e de falta de credibilidade.

Há uma chamada televisão em que os grandes destaques do dia são a publicação dos obituários ou o «copy paste» descarado do que os outros escrevem. E por vezes apresenta-se uma queixa à ERC. Sabem o que acontece? A Entidade Reguladora da Comunicação refere que não são órgãos devidamente registados e remete o assunto para a ACT. A Autoridade para as Condições de Trabalho refere que se trata de um assunto de um “órgão” de comunicação social e remete novamente o caso para a ERC. E não saímos disto. Reina uma impunidade total.

No meu distrito existe um jornal mensal que pertence a uma associação. Nada de estranho. O presidente dessa associação é o director adjunto do jornal. Também não é estranho. Mas é, simultaneamente vereador numa câmara municipal. Não há nenhuma incompatibilidade legal. Mas moral e deontológica sim. E ainda piora quando depois se dá ao luxo de participar em iniciativas como autarca, onde recolhe sons e tira fotografias, de assuntos onde está como interveniente para levar para a redacção. É o chamado vereador/jornalista. Repito o que disse atrás. Não. Não somos todos iguais. E toda a gente sabe disto e vai deixando passar.

Eu trabalho numa rádio. De cada vez que é emitido um tema musical, é pago um montante à sociedade portuguesa de autores. Há quem tenha a funcionar rádios online. Pagam esse valor? Ou cumprem com a lei, por exemplo, no que diz respeito ao número de noticiários de produção própria diária? Não. Então porque se chamam como rádios? Porque lhes apetece. Um dos jornais do meu distrito tem uma rádio online. Em Abril do ano passado foi alvo de uma queixa ao conselho deontológico do sindicato. Que termina assim o seu comunicado “O director nem sequer é jornalista, mas equiparado, num órgão de comunicação reconhecido pela ERC. De acordo com a ficha técnica é proprietário, director, e faz parte da redacção com outro profissional, cujo nome não consta na comissão da carteira como jornalista, equiparado, ou tão pouco como colaborador”. O que aconteceu? Nada. Tudo se passa na maior das normalidades.

Há um outro jornal que se dá ao luxo de transmitir em directo relatos de jogos de futebol na página oficial de um clube. Isto é normal? Não pode ser. Há uma discriminação clara entre uns e outros. O que acontece? Nada.

Nas rádios locais que estão espalhadas pelo país, a grande maioria dos profissionais está já próxima dos 60 anos. O que significa quando o próximo congresso se realizar, muitas delas vão estar fechadas. Por falta de pessoas. Porque os profissionais que estão no activo vão-se aposentar e não chegam jornalistas novos. E todos esses casos juntos vão ser outra “Global Média”

De quando em vez, quase em surdina, um ou outro camarada lá me vai dizendo que o salário (mínimo é claro) está atrasado ou que o subsídio de Natal ou de férias não foi pago dentro dos prazos previstos na lei. Já houve outras situações complicadas. Com 3 e 4 meses de atraso. Mas não foram notícia. Porque eram pouquinhos. Eram só 2 ou 3 casos. Por isso o assunto vai passando pelos pingos da chuva.

Hoje ninguém integra nenhum órgão de comunicação social sem ter uma formação de nível superior. E saem assim que acaba o contrato ou o estágio. Porque os ordenados são baixos, porque é preciso muitos dias trabalhar 10 e 12 horas e porque é o mesmo jornalista que vai a qualquer actividade que tem também de ser fotojornalista, responsável pelos conteúdos online e às vezes até leva o próprio carro. A formação profissional é quase inexistente. O que acontece? Desmotivam. Vão embora. E mesmo os que lá estão seguem muitas vezes esse caminho. E fazem-no na primeira oportunidade

Ouvi há poucas semanas uma reportagem efectuada na Madeira pela camarada Inês Forjaz, que não sei se está nesta sala, mas a quem quero enviar uma especial saudação. Ela efectuou um trabalho sobre a realidade da RDP Madeira onde sete elementos faziam programação, notícias, desporto, exteriores e tudo o mais. Inês, essa realidade que retrataste é vivida em 30 por cento das rádios que conheço. Nos outros 70 por cento é ainda pior.

Viva o V congresso dos jornalistas portugueses. Viva o Jornalismo.