Francisco Alves Rito: A imprensa na região de Setúbal: 30 anos de morte lenta

Francisco Alves Rito: A imprensa na região de Setúbal: 30 anos de morte lenta

Quando comecei a fazer jornalismo, há 30 anos, havia 20 rádios no distrito de Setúbal.

A Rádio Azul, uma referência, onde vide o prazer de trabalhar com Jorge Simões, Gualter Ribeiro ou Adelaide Coelho. Havia duas estações em cada um dos concelhos maiores, como em Almada, a Rede A e Rádio Voz de Almada, no Barreiro, a Mundial e a Sul e Sueste, na Moita, a Rádio Arremesso e a Rádio Clube da Moita, em Palmela, a Rádio Pal, em Alcochete a Rádio Clube de Alcochete, que depois foi a Super FM.
Todos os concelhos tinham pelo menos uma rádio. Incluindo no litoral alentejano.

Hoje são meia-dúzia – a Popular FM, a Rádio Seixal, a Sesimbra FM, a Rádio Sines, a M24 e a Rádio Clube de Grândola – e quase todas reduzidas aos mínimos, com duas ou três pessoas no total.

Nos jornais o cenário é igual ou pior.

Há 30 anos eram também umas duas dezenas. O SETUBALENSE, O Sesimbrense, o Distrito de Setúbal, o Notícias de Setúbal, o Actual, o Correio de Setúbal, o Jornal do Barreiro, a Voz do Barreiro, o Jornal de Almada, a Gazeta do Montijo, o Jornal Concelho de Palmela, a Gazeta de Palmela, O Leme, O Litoral Alentejano, e, entretanto, com o advento dos gratuitos, há 25 anos, nasceram o Jornal do Pinhal Novo, o Jornal do Montijo, O Notícias do Barreiro e muitos outros.

Hoje já desapareceu quase tudo. Ficaram apenas O SETUBALENSE, diário regional, o semanário, também regional, Semmais, e alguns, poucos, semanários ou quinzenários locais. Creio que os únicos com publicação regular são O Sesimbrense, O Leme, e o Grandolense.
Acresce que estes resistentes, todos sem excepção, estão hoje na contingência de terem de continuar a lutar pela sobrevivência. A luta, árdua, contra a extinção, é a batalha diária de todos estes jornais.

Uma região com quase um milhão de habitantes, às portas de Lisboa, está quase transformada num deserto de notícias.
O que temos de novo são sites de uma única pessoa que, além de não serem sustentáveis economicamente e de não terem recursos humanos para fazerem o jornalismo que se deseja, acrescentam outro problema: mascaram a situação. Dão ideia que há coisas a nascer. Ainda em Dezembro, o assessor do ministro da Cultura – e, supostamente, da Comunicação Social – me dizia isso. Quando disse a Sérgio Gomes da Silva que na comunicação social está tudo a morrer, respondeu-me que tem nascido muita coisa em Portugal nos últimos anos.

É muito desconhecimento e inconsciência. Confundir os projectos unipessoais de ‘jornalistas Remax’ – como alguém lhes chamou, sem ofensa para esses jornalistas, ‘Remax’ porque, à semelhança dos vendedores precários do imobiliário, estão por conta própria, sem meios e sem condições, recorreram a um site quase sempre já em desespero, numa tentativa de criarem o seu próprio posto de trabalho. Para classificar esses sites como órgãos de comunicação social já é preciso muita boa-vontade – ou má vontade, dependendo da motivação – mas usar esse fenómeno, essa profusão de precariedade e miséria para argumentar que há crescimento ou mudança positiva no sector, é, no mínimo, desconhecimento que, no caso dos responsáveis governamentais, corresponde a governação lesiva do interesse público.

Há 30 anos, os jornais tinham fontes de receita publicitária que os sucessivos governos, entretanto foram eliminando. As empresas, todas as empresas que nasciam, tinham de publicar a escritura de constituição nos jornais, os relatórios e contas, anuais, tanto de empresas como de institutos públicos, tinham de ser publicados nos jornais. E muitos outros actos públicos tinham de ser publicados na imprensa, em nome da transparência, para conhecimento da comunidade.

Hoje todos esses actos têm de ser apenas publicados online, em portais e bases digitais que não passam pela imprensa e, não menos importante, que as populações não conhecem nem consultam.

Com total insensibilidade e falta de visão, os governos retiraram recursos essenciais ao jornalismo. Recursos que nem são dinheiro público. O Estado nem precisava de financiar o jornalismo directamente, bastava ter o cuidado de regular de forma adequada e inteligente.

As empresas e outras instituições de cada concelho, através deste exemplo que dei, poderiam, se a regulação fosse nesse sentido, contribuir para a sustentabilidade do jornalismo. Assim, muitas, quase a generalidade, nada contribuem. Temos as terras, de norte a sul, das aldeias às vila e cidade, inundadas de supermercados que investem milhões em rotundas, que lucram milhares de milhões e que dizimaram o comércio local, e que nada – rigorosamente nada – contribuem para a comunidade.

Os supermercados, de que cada concelho tem pelo menos meia-dúzia, vão a cada terra buscar a quase totalidade do rendimento disponível e não deixam lá nada. Só aí, o Estado poderia assegurar boa-parte da sustentabilidade da imprensa local e regional, se regulasse os meios em que estas empresas fazem publicidade. Com benefícios para a comunicação em jornais e rádios e limitação no folhetos, pendões e publicidade de rua com que poluem o espaço urbano, ganhavam o jornalismo e as comunidades.

Com as autarquias é a mesma coisa. Já não estão obrigadas a publicarem as deliberações e certos avisos nos jornais locais. Deveriam estar porque era receita para a imprensa e maior transparência a favor das populações. Mas não. O que temos é, ao contrário, municípios que constroem verdadeiras redacções com dezenas de profissionais, de redactores a fotógrafos, operadores de imagens e ETC, com capacidade para produzirem comunicação multimédia que ofusca a imprensa livre. Isto é concorrência desleal, é manipulação da opinião pública e é anti-democrático. Quem tem que fazer o escrutínio da actividade municipal é a imprensa livre. As autarquias devem ser limitadas ao máximo na comunicação institucional porque o dinheiro público não pode servir para propaganda.

Há municípios que estão armados em autênticas agências de notícias. Fazem a cobertura de tudo o que acontece no concelho e divulgam nos meios próprios e ainda através dos órgãos de comunicação social que, cada vez mais depauperados e ou por ingenuidade, ‘papam’ tudo o que vem desta forma.

Destas coisas não se fala. A Associação Nacional de Municípios Portugueses tem de ser sensibilizada para isto e o Estado central tem de assumir as suas responsabilidades e, pelo menos, regular.

A regular estes aspectos que dizem respeito à receita e às condições de subsistência dos órgãos de comunicação social, mas também o advento da Internet.

Uma das causas do estado a que chegou a imprensa é a selva em que se transformou a Internet. Reparem que digo a selva em que se transformou e não a Internet propriamente.

A comunicação tradicional precisa de migrar para as novas tecnologias, aproveitar os novos suportes e ferramentas digitais – todos entendemos isso – mas está tudo armadilhado. Quem manda nas redes sociais são as gigantes tecnológicas que criaram um ambiente absolutamente tóxico para a imprensa. Controlam tudo e asseguram a quase totalidade das receitas publicitárias e, pasme-se, sem tão-pouco pagarem os impostos devidos.

Os Facebook, Google e outros gigantes só pagam os impostos que querem e não respondem a ninguém.

Só agora é que os Estados começam a fazer qualquer coisinha, tímida e com pouquíssima coragem, para regular o jornalismo e a informação na Internet.

Em suma, é essencial que deste nosso congresso saiam duas conclusões muito importantes:

– Primeiro, que o Estado tem de assumir o seu papel de regulador e criar as condições à viabilidade da imprensa em Portugal, porque estão em causa o Direito à Informação e a Liberdade de Imprensa, dois princípios constitucionais estruturantes para a democracia.

– Em segundo lugar, e pelas mesmas razões, deve ficar claro que, de uma vez por todas, tem de ser pensado e alterado o modelo de financiamento do jornalismo. A função do jornalismo, num Estado democrático, é demasiado importante para estar entregue ao mercado.