Isabel Venceslau: Serviço público de jornalismo

Isabel Venceslau: Serviço público de jornalismo

Bom dia / boa tarde

O meu nome é Isabel Venceslau e sou jornalista desde 1999.

Trabalho no serviço público de televisão, na RTP, há vinte e um anos.

Há onze acumulo a função de jornalista com a função de coordenadora de informação.

Participo neste Congresso com o objetivo de defender um novo modelo para um serviço público de jornalismo. Não para um serviço público de ‘media’ ou serviço público de rádio e televisão, mas para um serviço público de jornalismo.

A RTP é definida como uma empresa pública que é concessionada pelo Estado a sucessivos Conselhos de Administração, e o contrato com o Estado deve ser revisto a cada quatro anos. A última revisão aconteceu em 2015. Em junho do ano passado, uma equipa da Universidade do Minho convidada pelo Ministério da Cultura apresentou de forma gratuita um ‘Livro Branco’ com sugestões para o próximo contrato de concessão. O ‘Livro Branco’ propõe que o serviço público de rádio e televisão seja redefinido como serviço público de ‘media’, para acomodar a dimensão definida como digital.

Eu venho a este Congresso propôr que a RTP seja redefinida como a instituição pública que defende um dos direitos que, como jornalista e como cidadã, defino como fundamental, o direito à informação. Tal como os hospitais públicos defendem o direito dos cidadãos à saúde, tal como as escolas públicas defendem o direito dos cidadãos à educação, também a RTP cumpre uma missão, a de defender o direito dos cidadãos à informação através do exercício do jornalismo. Acredito que uma boa forma de celebrar os cinquenta anos da democracia é ponderar e debater a possibilidade de a RTP ser juridicamente reclassificada como a instituição pública que assegura o serviço público de jornalismo.

Todos nós, enquanto contribuintes, financiamos a RTP, e todos nós, enquanto cidadãos, consumimos o resultado desse financiamento. Somos todos parte interessada, e venho aqui dizer-vos que é chegado o momento de assumirmos a dupla responsabilidade de quem contribui e de quem consome para exigirmos um serviço público de jornalismo onde existam as melhores condições para a existência das melhores práticas.
Porque a RTP é a minha entidade empregadora acredito que a minha responsabilidade é tripla, e venho por isso tentar provocar o debate. Avanço três perguntas que podem servir como ponto de partida para a troca de ideias:

  1. qual a percentagem do orçamento da RTP que deve ser atribuída à área da informação e qual a percentagem que deve ser atribuída à área do entretenimento?
  2. deve ou não o jornalismo ser definido e assumido como a primeira vocação da RTP?
  3. devem ou não os detentores de carteira profissional de jornalista ao serviço da RTP preencher, tal como fazem outros servidores públicos, uma declaração de interesses?

O ‘Livro Branco’ enumera cinco “grandes desafios” para a RTP e a “transformação digital” aparece em primeiro lugar. Eu defendo que essa transformação começou na última década do milénio anterior e foi concluída há quase uma década. O que falta fazer é importante e é urgente, mas já não cabe na definição de “transformação digital”. Está por definir qual é a melhor arrumação possível para os conteúdos, isto é, debater quanto do que produzimos deve ser disponibilizado de forma linear e quanto deve ser disponibilizado de forma não linear. Está por optimizar o acesso ao ‘streaming’ que leva a RTP a qualquer ponto do planeta. E ainda não existe uma estratégia clara para garantir que as ferramentas de inteligência artificial possam servir o exercício do jornalismo e não sejam levadas a servirem-se do exercício do jornalismo. Proponho que a RTP possa desafiar outras instituições públicas de comunicação, não apenas europeias, para a construção de uma plataforma pedagógica que tenha como objetivo ensinar o algoritmo sobre o que é jornalismo.

O segundo desafio está descrito da seguinte forma: “formular uma estratégia de desenvolvimento que explicite prioridades de forma transparente, que promova a coerência e a integração das múltiplas partes que concorrem para a oferta global do SPM, devendo tudo ser percetível interna e externamente”. Não me apetece discordar nem concordar. Prefiro acrescentar que um serviço público de jornalismo, com uma tabela salarial transparente e servidores disponíveis para serem escrutinados, permitiria reforçar a confiança dos cidadãos em todas as instituições públicas.Em terceiro lugar aparece o desafio que está na base desta comunicação: “atribuir centralidade ao jornalismo”. No texto original lê-se “à informação e ao jornalismo”, mas eu escolho editar porque a primeira é a matéria do segundo. A proposta que trago a este Congresso pretende dar resposta a esse desafio.

Os restantes desafios são assegurar a “diversidade de conteúdos” e “servir os cidadãos”. Aceito que ninguém consiga ser bom juiz em causa própria e mesmo assim atrevo-me a afirmar perante este Congresso que a RTP tem globalmente dado resposta a esses dois desafios. E atrevo-me a sonhar perante vós com um serviço público de jornalismo que não perca tempo a considerar percentagens que decorrem da leitura de mil e cem ‘audímetros’ nem perca tempo a considerar as escolhas dos órgãos de comunicação social que dependem das receitas da publicidade.

Os meios de comunicação ditos tradicionais, RTP incluída, têm vindo a adotar os modelos de captação da atenção e de promoção da interatividade que estão na base do modelo de negócio das redes sociais digitais, e o fenómeno estende-se infelizmente também à área da informação. Dar à RTP uma personalidade jurídica que a equipare às demais instituições públicas que também defendem direitos fundamentais dos cidadãos é um primeiro passo para assegurar que o livre exercício do jornalismo tem sempre uma morada privilegiada.

Venho a este Congresso pedir-vos que considerem a possibilidade.

Obrigada pela Vossa atenção