O Porto “perdeu muita voz” nas notícias, defende investigadora

O Porto “perdeu muita voz” nas notícias, defende investigadora

O Porto tem perdido, ao longo dos anos, “muita voz, muito espaço e impacto noticioso”. Quem o diz é Helena Lima, professora na Universidade do Porto e especialista em História do Jornalismo. A Invicta já foi casa de três jornais diários generalistas nacionais, mas destes apenas resta o “Jornal de Notícias”, que enfrenta atualmente a ameaça de um despedimento coletivo.

Para a professora de Jornalismo, há fatores que explicam esta crise, mas para isso é preciso repousar o olhar sobre os dois grandes jornais portuenses que outrora figuravam nas bancas dos quiosques nacionais: “O Comércio do Porto” e o “Primeiro de Janeiro”.

Apesar de haver um padrão na base do desaparecimento de jornais, normalmente associadas a “opções de gestão” ou à “incapacidade de se encontrarem formatos alternativos” capazes de aliciar os públicos, há diferenças substanciais que levaram à saída de circulação destes dois títulos.

Helena Lima explica que, apesar de já ser um projeto pequeno, de baixa circulação, o desaparecimento de “O Comércio do Porto” foi uma surpresa: “Um dia, fui para fora e quando regressei o Comércio já não estava cá”, conta a investigadora. Já o “Primeiro de Janeiro” teve um processo de declínio “que se arrastou durante muitos, muitos anos”. A verdade é que ambos vingaram na cidade e no país durante mais de um século na sua versão impressa: “O Comércio do Porto” de 1854 a 2005; e o “Primeiro de Janeiro” de 1868 a 2015. 

O critério da proximidade foi essencial para a subsistência destes dois títulos, já que eram, sobretudo, de informação local: “Se eu leio sobre coisas que me dizem respeito, que são minhas, eu leio-as”, analisa Helena Lima. E a imprensa portuense funcionou por isso, defende: “Não tem nada a ver com Lisboa, mas a política da capital é muito abstrata.” No seu ponto de vista, só é possível agradar às pessoas e, consequentemente, fidelizar e conquistar mais público, “se noticiarmos coisas que [lhes] interessem, e não é preciso serem crimes”. Se as notícias forem “todas iguais para a agenda da capital”, continuaremos na mesma, observa.

Estranho silêncio de uma cidade vocal

O Porto, prossegue a investigadora da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, “é uma cidade de muita convicção e com muito sentido de uma cultura identitária”, reflete, o que a leva a questionar a ausência de um clamor em torno do que se está a passar com o JN: “Não sei explicar, porque é que as pessoas não conseguem conjugar esta paixão pela cidade, pelo futebol ou pela câmara, mas depois não a têm por outras instituições [como a imprensa]”, diz.

A questão das audiências é fraturante para a circulação dos jornais, mas os públicos mudaram e a dinâmica da imprensa portuguesa não está a conseguir acompanhar esta evolução, na visão da docente. Todavia, o fenómeno não é exclusivo do nosso país. Segundo um estudo do Reuters Institute for the Study of Journalism, “em termos geracionais, as notícias não estão a ser capazes de atrair as camadas mais jovens e, por isso, não há substituição de consumidores”, nota a académica.

Helena Lima considera que, num mercado como o português, “que é muito curto”, a “crise da imprensa é geral, e não é só da imprensa escrita”.  Aliás, a prova de que é um “mercado muito fragmentado são os jovens, a forma como acedem a notícias é muito dispersa”, afirma. 

Desta forma, a docente e investigadora considera que o Estado deve investir na literacia mediática nas escolas: “Na prática, isto devia ser parte das atividades curriculares, sobretudo, dos teenagers” e relembra a antiga campanha “Ler Jornais É Saber Mais”.

Recorde-se, a propósito, que saiu do último Congresso de Jornalistas, realizado em 2017, uma moção que considerava urgente a promoção da literacia mediática. Dos contactos e iniciativas que se seguiram, lideradas pelo Sindicato de Jornalistas, em parceria com o Ministério da Educação, acabou a ser criada a Associação Literacia para os Media e Jornalismo, que dá aos professores “metodologias, recursos e ferramentas” para trabalharem a literacia mediática nas escolas. Na mesma linha, em novembro, o Governo aprovou, em Conselho de Ministros, o Plano Nacional de Literacia Mediática, com uma dotação de 500 mil euros. 

Helena Lima sugere que se aposte também nos jornais escolares: “Umas das coisas que as pessoas gostam de fazer, é envolver-se nessas atividades e isso implica, depois, que as pessoas vão continuar a gostar não só de fazer, mas também de consumir e perceber as lógicas de consumo”. Considera, no entanto, que “tem de ser algo que faça parte de um plano, até porque agora não é por falta de meios. Qualquer pessoa com um telefone faz um jornal. É uma pena que não se saiba aproveitar isso. Não estou a culpar os professores, nem o Governo, nem ninguém; estou a dizer que isto tem de ser um plano sustentável. Normalmente, o que há são experiências pontuais”, recorda.  

Jornalismo é um “serviço público”

Sobre a possibilidade de apoio do Estado aos media, Helena Lima realça que “durante muito tempo” foi “contra isso, porque durante o período em que o Estado deteve jornais, houve uma grande instrumentalização por parte da política e dos governos”, recorda a historiadora. No entanto, agora pensa de forma diferente, sobretudo porque “esta ideia de que o Estado tem o papel de assegurar serviços públicos – e o jornalismo é um serviço público – não é uma ideia absurda. É uma ideia correta”.

Defende ainda que “os jornais são uma parte importante na democracia e se eles não existirem, a democracia afunda. Portanto, essa minha posição de ‘não gosto da intervenção do Estado nos jornais por causa da manipulação dos jornais e dos conteúdos’, neste momento, retiro essa minha perceção, porque acho que é mais importante a continuidade do jornal e dos meios de comunicação do que esse eventual perigo”, justifica. 

Vender notícias não é igual a “vender hotéis”

Nas últimas semanas, muito se tem falado sobre a crise que está a afetar o grupo Global Media, do qual o Jornal de Notícias faz parte (link para entrevista ao Germano Silva). Face à situação que o “Jornal de Notícias” atravessa, Helena Lima admite que “o JN continua a trabalhar bastante bem”, temendo, contudo, que os despedimentos em vista, causem “muitas limitações para poder fazer o seu trabalho”. 

Tendo em conta os desafios do setor, mas também olhando para o passado do jornal, “o padrão é quase sempre o mesmo, embora o JN tenha tido uma história contemporânea muito mais saudável do que os outros jornais, porque depois do 25 de Abril reconquistou espaço na cidade e no Norte, e durante muito tempo foi o jornal que mais vendia no país”, lembra a professora. 

No entanto, apesar de acreditar que “o povo do Porto não deixa de ler o JN”, vê que a circulação do jornal já não é a mesma. “Infelizmente vejo, quando vou ao hospital ou quando vou ao café, que o JN já lá não está. Quem está é o Correio da Manhã e eu não sei o porquê”, confessa.

Defende que os desafios no JN decorrem, essencialmente, da gestão do grupo que detém o jornal: “um dos problemas do JN foi sempre a questão do grupo que foi criado depois do 25 de Abril”, explica. 

Apesar de reconhecer que não sabe muito sobre os novos investidores do grupo que atualmente detém o JN, o DN e a TSF, salienta “que não é um grupo tradicionalmente de media.” “Normalmente, quando estamos a falar de meios de informação que estão desde sempre no campo mediático, as empresas têm uma lógica empresarial mediática diferente”, esclarece. No entanto, lembra que “vender jornais, vender notícias ou outro tipo de conteúdos, não é a mesma coisa que vender hotéis de turismo ou outras coisas do género”. 

Reconhece ainda que, quando há crises, “cortar custos é inevitável”, mas antes há que procurar outras “soluções em termos noticiosos”. É por isso que defende que o problema está na forma como se faz jornalismo na atualidade. “A informação local ganhou muita preponderância no online, e isto é uma solução. Mas os jornais generalistas têm uma forma de fazer jornalismo que, atualmente, não é nada convincente do ponto de vista das audiências. Têm todos agendas muito idênticas, fazem muito as agendas do dia, é tudo muito protocolar, digamos assim, e isso também não contribui, nem para fidelizar públicos, nem para conquistar públicos novos”, conclui. 

 

Por: Luísa Capucho e Nádia Neto | Universidade do Porto
Fotografia: D.R.