O périplo nacional do Congresso dos Jornalistas
Por todo o território nacional, percorremos o país, contactando com duas centenas de profissionais, para identificar as dificuldades de quem trabalha longe dos grandes centros urbanos. Há consenso em torno da defesa de um papel do Estado no financiamento do jornalismo, há ainda mais dificuldades identificadas.
De Fundão a Câmara de Lobos são 11 paragens de distância. As estações que o Congresso dos Jornalistas (CJ) percorreu em “périplo nacional”, entre 15 de abril e 15 de julho. Durante três meses, andámos pelo país a auscultar os jornalistas que exercem a profissão fora de Lisboa. Recolhendo opiniões, observando práticas, anotando as singularidades do jornalismo de “vizinhança”. O resultado desta viagem reflete-se na programação do “Do Local ao Universal”, que ocupará os trabalhos do CJ durante a manhã de 20 de janeiro de 2024.
Os problemas são os de sempre, a distância maior do que nunca. Esta será a conclusão fundamental a retirar do “périplo nacional”. No campo laboral, a questão do acesso à profissão, a ausência de formação profissional, o recurso abusivo e desregrado a jornalistas estagiários, a precariedade laboral e a crise no financiamento das estruturas detentoras dos média de proximidade constituem, no seu todo, uma realidade que “aparentemente” não diferirá muito daquela que se verifica nos chamados “órgãos nacionais”.
As “aparências”, no entanto, são ilusórias. A deterioração da qualidade de vida dos jornalistas e a precarização dos vínculos de trabalho são uma evidência generalizada nas redações portuguesas. Sem exceção. Mas é preciso mergulharmos no “Portugal profundo” para nos depararmos com jovens jornalistas que, durante a manhã, preenchem a emissão radiofónica local e que, depois do almoço, tratam de engomar a roupa da esposa do patrão. Ou jornalistas que recebem meio ordenado, embora ofereçam mais de 12 horas diárias à sua entidade patronal, incluindo feriados e fins de semana. Ou jornalistas que têm de colecionar mensalmente 30 “peças” para que possam receber do organismo noticioso do Estado a que estão “vinculados” uma importância inferior ao ordenado mínimo nacional. A recibos verdes.
Durante o périplo nacional, contactámos com perto de duas centenas de jornalistas, estudantes e professores. As nossas paragens incidiram precisamente nas regiões onde existem instituições de ensino superior que oferecem licenciaturas em jornalismo. E constatámos que a “oferta” está regionalizada e abrange todo o país. De Trás-os-Montes ao Algarve, passando pelos Açores e pela Madeira.
No Instituto Politécnico de Portalegre há, inclusive, uma cadeira dedicada ao jornalismo regional. Em Mirandela, o Instituto Politécnico de Bragança investiu com robustez em estruturas e equipamentos dedicados à prática escolar de televisão e rádio. Em Leiria, o Instituto Politécnico consegue inserir boa parte dos alunos no “mercado” local que é, por certo, o mais “fervilhante” em termos de jornalismo de proximidade do país.
Há bons exemplos de articulação entre a academia e a profissão. Mas também há o problema de fundo que atinge a esmagadora maioria das redações: o aproveitamento dos estagiários para suprir a carência de jornalistas profissionais, seniores. A saída de estudantes em fase de estágio é quase a salvação dos aflitos para centenas de jornais e rádios locais.
Tal como acontece nos média de abrangência nacional, também os órgãos de comunicação de proximidade se defrontam com uma crise profunda em termos de financiamento. A publicidade “tradicional” está a desaparecer ou a transitar a preços incombatíveis para estruturas opacas licenciadas pela ERC, que funcionam sem jornalistas e que servem apenas como meios coletores que se apropriam de forma ilegal e eticamente reprovável das notícias e dos conteúdos produzidos pelas empresas que contratam jornalistas com carteira profissional.
Por outro lado, as campanhas publicitárias promovidas pelo Estado raramente chegam à periferia. Se conseguimos obter uma linha condutora comum a todos os média que contactámos durante o périplo nacional, ela passa inevitavelmente pelo financiamento. E a solução que mais escutámos durante os três meses de estrada é que deve ser o Estado central a assumir essa responsabilidade.
As autarquias locais deixaram de apostar nos jornais e rádios de vizinhança, criando gabinetes de comunicação e órgãos de “cariz informativo” que não só concorrem com os media tradicionais, como escapam ao escrutínio jornalístico. O acesso às fontes de informação passou a estar “blindado”, restando apenas a “voz dos donos”. Muito em concreto, dos autarcas e dos governantes regionais. Os casos de Setúbal e da Madeira são exemplos flagrantes.
Outra das necessidades emergentes do “périplo nacional” prendeu-se com a formação profissional. Ou com a falta dela. Nesse sentido, avançámos para a estrada com uma proposta formativa prévia, que ficou melhorada em função das diferentes carências que fomos detetando. No pós-congresso estaremos em condições de iniciar uma ação de formação abrangente que aprofundará temas como o jornalismo de investigação, o financiamento, os direitos dos jornalistas e a literacia para os média.
Apesar dos grandes constrangimentos em termos de financiamento e de formação que detetámos, também nos deparámos com casos de sucesso. Alguns deles serão apresentados no Painel Do Local ao Universal, que foi arquitetado com base nas visitas que tivemos oportunidade de fazer ao Fundão, Coimbra, Leiria, Ponta Delgada, Mirandela, Braga, Portalegre, Setúbal, Porto, Faro e Câmara de Lobos.