Profissão ameaçada

Profissão ameaçada

As condições de trabalho dos jornalistas portugueses são caracterizadas por sobrecarga laboral, conflitos éticos, degradação da qualidade do trabalho, dificuldade de conciliação entre a vida profissional e a vida familiar, e salários baixos. Um somatório que resulta cada vez mais em problemas de saúde mental e risco de burnout.

Os jornalistas portugueses sentem-se esgotados, ganham mal e estão em sofrimento ético.

Quase metade (48%) dos jornalistas tem níveis elevados de esgotamento e cerca de 18% apresentam valores de exaustão emocional que variam entre níveis muito elevados e extremamente elevados.

Estas são algumas das conclusões do Inquérito Nacional às Condições de Vida e de Trabalho dos Jornalistas em Portugal, apresentado em outubro de 2023, na Casa da Imprensa, em Lisboa.

Apesar das transformações tecnológicas aplicadas à profissão nos últimos anos, nomeadamente com a digitalização, a aposta em formação por parte das empresas é exígua. Entre os inquiridos, 59% não receberam formação complementar da sua entidade patronal e os que a tiveram por iniciativa da empresa são apenas 12%, sendo até maior a fatia dos que buscaram qualificações por iniciativa própria: 29%.

A remuneração média líquida dos jornalistas fica-se pelos 1.225 euros, enquanto 30% recebe entre 700 e 1.000 euros. O estudo do Observatório para as Condições de Vida e Trabalho (OCVT) permite concluir que metade dos respondentes excede as 40 horas de trabalho semanal e que quem ganha menos está mais desgastado, cenário que piora com a ameaça de desemprego. Também o assédio moral contribui para o desgaste, que se agrava nos conflitos com a hierarquia e é mais evidente nas mulheres.

Para mais de metade dos jornalistas (52%), as condições de trabalho não permitem atuar com independência, integridade e segurança. Uma realidade agravada por conflitos éticos com que 42% afirmam já ter sido confrontados, sendo que 62% não encontra apoio na resolução desses dilemas.

Relevantes são também os resultados sobre as dificuldades de conciliação entre trabalho e família, uma preocupação para 73% dos inquiridos, patente em dados como o número médio de filhos: 1,04, abaixo da média nacional de 1,38 descendentes por mulher. O número de filhos por jornalista é, aliás, o mais baixo das carreiras analisadas pelo Observatório até hoje. Pessoal de voo, condutores do metro e professores são profissionais que, embora tenham taxas inferiores à média nacional, estão acima da registada entre as jornalistas inquiridas.

Paradoxalmente, numa profissão assolada pela precariedade laboral, sobretudo no que diz respeito a salários e vínculos profissionais, encontra-se uma população cada vez mais qualificada: quase 80% dos respondentes a este inquérito possui formação superior (20% com bacharelato ou licenciatura pós-Bolonha; 34% com licenciatura pré-Bolonha, 11% com pós-graduação e especialização; 14% com mestrado integrado, 2% com doutoramento e 19% com ensino secundário).

O Inquérito Nacional às Condições de Vida e de Trabalho dos Jornalistas em Portugal, coordenado por Raquel Varela, é fruto de uma parceria entre o Sindicato dos Jornalistas (SJ), a Casa da Imprensa e a Associação Portuguesa de Imprensa (API), tendo contado com o apoio da Federação Europeia dos Jornalistas (FEJ).

Caracterização da amostra: este inquérito recolheu um total de 866 questionários, entre os dias 1 de abril e 6 de maio de 2022, de 119 concelhos de Portugal, sendo o mais retratado Lisboa, com 27% das respostas. A amostra representa todo o país. O inquérito foi respondido por 48% de mulheres e 52% de homens. A média de idades dos jornalistas no ativo é de 44,8 anos.