Jornalistas denunciam “destruição” dos títulos do GMG
“Terrorismo”, “destruição” e morte. As expressões, que habitualmente associamos à guerra, foram esta quinta-feira usadas pelos jornalistas do Global Media Group (GMG) para descrever o “clima de instabilidade” que nesta altura se vive nas redações da empresa. Filipe Santa-Bárbara, João Pedro Henriques, Alexandre Panda, Mário Fernando e Luís Reis Ribeiro, jornalistas do GMG, tiveram a oportunidade de partilhar os seus testemunhos perante o público, no primeiro dia do 5.º Congresso dos Jornalistas, que decorre no Cinema São Jorge.
Esta sessão foi adicionada ao programa original do evento na sequência da crise que se vive no seio do GMG, situação que sofreu esta quinta-feira um novo desenvolvimento, com os profissionais do Jornal de Notícias (JN) e d’O Jogo a ativarem a suspensão dos seus contratos de trabalho devido ao não pagamento de salários.
“A informação é um bem público”
Uma mensagem em vídeo da vice-presidente da Comissão Europeia com a pasta dos Valores e Transparência, Věra Jourová, na qual foram abordadas várias questões que preocupam o jornalismo atual, deu início à sessão. A vice-presidente relembrou que “não há democracia sem jornalistas”. Por essa razão, revela que propôs o primeiro ato legislativo para proteger a liberdade dos meios de comunicação social, que deverá entrar em vigor no próximo ano. Considera ainda que cabe às democracias proteger os media e que o público tem o direito a saber quem os financia.
No seguimento, falou Filipe Santa-Bárbara, jornalista da editoria de Política na TSF desde 2018, com passagens pela RTP e pela revista GQ Portugal, e um dos fundadores do projeto A Bola TV. Santa-Bárbara declarou que é impossível ignorar a situação atual dos media portugueses, o que originou o convite aos jornalistas que integraram o painel. “É preciso fazer alguma coisa”, afirmou.
“Isto é o combate das nossas vidas, respeitem-nos!”
“São 19h49 do dia 18 de janeiro de 2024 e ainda não nos pagaram o ordenado de dezembro, nem o subsídio de Natal”, lembrou João Pedro Henriques, jornalista no DN desde 2006, logo à cabeça da sua intervenção. O jornalista explica que resiste à vontade de suspender o contrato, apesar de esse passo ser necessário para desencadear mecanismos de proteção social.
Por outro lado, o jornalista aproveitou a ocasião para lamentar uma frase escrita pelo presidente do 5.º Congresso dos Jornalistas, Pedro Coelho, no site do evento, fazendo referência à atual administração do GMG que parece “estar a construir um jardim – o Diário de Notícias – em cima de um cemitério – o JN, a TSF e O Jogo”.
No testemunho, destacou ainda as fragilidades do DN, que tem apenas 18 redatores em funções, o que considera ser “um exemplo tristemente trágico de como os despedimentos coletivos nunca resolveram problemas, só pioraram”. João Pedro Henriques aponta a “gestão danosa”, a mudança de site e consequente perda de toda a memória digital, as “decisões editoriais erradas”, a baixa literacia mediática e a economia pobre como razões que motivaram a crise observada no DN. “Não se atrevam a fazer da nossa situação arma de arremesso na campanha. Isto é o combate das nossas vidas, respeitem-nos”, diz o jornalista, em tom de advertência, aos atores políticos portugueses, num momento em que o país se prepara para ir a eleições a 10 de março.
“Isto é terrorismo”
Por sua vez, Alexandre Panda brinca que apesar de lidar com casos de justiça, nunca tinha vivido uma situação em que a ameaça viesse de dentro. O jornalista da secção de Justiça do JN escolheu fazer uma cronologia para realçar os acontecimentos que levaram ao “clima de instabilidade” dos jornalistas do GMG. Assim, destacou a suspensão de contratos, a compra do grupo por “um fundo sem rosto”, o desrespeito pelas competências do Conselho de Redação da TSF, o atraso de salários em outubro e novembro, entre muitos outros fatores.
“Isto é terrorismo”, exclama Alexandre Panda, considerando ser necessária a atuação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. O jornalista considerou ainda inaceitável que os trabalhadores tenham sabido através da comunicação social da decisão da administração do GMG de adiar o pagamento de salários até que haja da ERC uma decisão relativamente à aplicação da Lei da Transparência. “Estamos a falar de pessoas, não de números numa folha de Excel, isto é desumano”, reforça. Termina com um agradecimento aos colegas de outros grupos de media pela cobertura mediática, que deu mais força à luta.
“Um cenário de contornos surreais”
Mário Fernando, jornalista há mais de quatro décadas, está na TSF desde 1996. O jornalista desportivo declara que jamais pensou passar por um cenário tão surreal como o que se está a viver em todos os títulos do GMG. Nesse sentido, defende que este é “o maior ataque à comunicação social dos últimos 40 anos”. Na sua opinião, após a promessa de um grande investimento para a modernização da “rádio líder do digital”, atualmente a comissão executiva do GMG “pretende que a TSF não vá a jogo”.
Refere ainda que o site da TSF esteve dois dias inativo e não é possível o acesso a notícias publicadas antes de 1 de janeiro de 2024. Apesar destas dificuldades, de acordo com o Mário Fernando, a TSF continua com as suas audiências estabilizadas há mais de 15 anos, graças ao esforço diário dos seus trabalhadores. Termina o seu depoimento lamentando que só agora as pessoas se estejam a questionar sobre qual o verdadeiro interesse de um fundo registado nas Bahamas num grupo de comunicação social português, questão esta colocada pelos trabalhadores do GMG desde o primeiro momento.
“É difícil justificar fazer jornalismo desportivo”
“Estamos a jogar O Jogo das nossas vidas”, é o mote que sustenta a luta dos profissionais do jornal O Jogo. Frederico Bártolo, jornalista neste diário e comentador na Eurosport, explica que os “camaradas” que saíram do jornal não o fizeram por falta de amor, mas por falta de condições. Frederico Bártolo explica que quando se deita na almofada não consegue dormir devido à carga de trabalho excessiva. Assim, admite que é difícil fazer jornalismo desportivo por causa da falta de condições com que lidam diariamente. Contudo, continuam a trabalhar apesar das adversidades porque querem continuar a cumprir a missão de informar pessoas. “Não vamos parar, vamos continuar a lutar pelo que é nosso, pelo que é vosso”, reforça. Encerrou o seu depoimento com uma declaração de intenções: “Hoje sou jornalista d’O Jogo, amanhã quero continuar a ser, porque me orgulho de ter esta profissão”.
“A luta continua”
O último a intervir neste painel foi Luís Reis Ribeiro, jornalista de economia desde 2000 e atual redator do jornal Dinheiro Vivo. Refere que na redação onde trabalha estão apenas dez jornalistas e que muitos desistem de exercer a profissão por falta de condições de trabalho dignas. Afirma que não é possível fazer jornalismo com uma redação tão vazia e denuncia o facto de os empregadores não oferecerem contratos de trabalho aos estagiários, bem como a não renovação de contratos a jornalistas da casa. O jornalista alertou também para o uso crescente da inteligência artificial no jornalismo e na concepção de notícias em vez da “inteligência natural” do ser humano. Por todos estes fatores, realça que não trabalha para um acionista ou uma empresa, mas para os leitores, ouvintes e telespectadores. “A luta continua”, reitera Luís Reis Ribeiro.