Germano Silva: “Devo tudo o que sou hoje ao jornalismo”
A propósito da atual crise no grupo Global Media Group (GMG), que detém, entre outros, o “Jornal de Notícias”, conversamos com Germano Silva, um dos mais antigos colaboradores do periódico. O homem que se fez repórter na era dos “mestres de jornalismo”
conta como se tornou o raro conhecedor do Porto que é e como era a redação do JN nos 40 anos que lá trabalhou. Aos 92 anos, está reformado, mas só no papel. O repórter continua a escrever semanalmente uma crónica para o jornal, ao qual nunca deixou de estar ligado. Diz, por isso, ter muita pena pelo que está a acontecer e pede às entidades regionais e nacionais que preservem a “voz do Norte”.
Nasceu em Penafiel, em 1931. Mas vive no Porto desde o primeiro ano de vida e ganhou uma paixão pela cidade. O que o fez apaixonar-se e dedicar-se tanto à cidade?
Germano Silva (GS): A paixão pela cidade é uma paixão natural. Surgiu de uma forma natural, mas também de uma deformação profissional. Quer dizer, eu entrei para o jornalismo em 1956, uma época em que não havia escolas de jornalismo. Os mestres eram os chefes de redação e eu tive chefes de redação que foram mestres de jornalismo que formaram, posso dizer, gerações de jornalistas. E um dia, um dos chefes disse-me que eu só seria um bom repórter da cidade – e eu estava na editoria da Cidade – se conhecesse, efetivamente, a cidade. Portanto, eu tive que conhecer a cidade, porque queria ser um repórter e, acima de tudo, um bom
repórter da cidade do Porto.
Comecei a procurar por tudo, pela origem do nome de várias ruas antigas, por exemplo, e comecei a pesquisar outras facetas da história do Porto. É uma cidade extremamente rica em termos históricos, com um passado muito ligado à Igreja, também porque era conhecida como a cidade do bispo. O Porto não se pode dissociar da história da Igreja do Porto. E foi a partir
daí.
Comecei a pesquisar, a encontrar livros sobre o Porto, escritores, historiadores que escreveram sobre a cidade. E juntei uma biblioteca que hoje é muito importante, que tem, posso dizer, quase tudo sobre o Porto, excetuando manuscritos importantes. Aliás, uma parte desse espólio que eu possuía já foi doado ao Arquivo Municipal, porque entendo que são fragmentos únicos. Portanto, foi para ser um bom repórter da cidade que eu me interessei pela história da cidade e por começar a conhecer as suas histórias.
E como chegou ao jornalismo?
GS: Eu trabalhei na secretaria do Hospital de Santo António e, aos domingos e feriados, fazia oserviço de secretaria no Serviço de Urgências do hospital. Várias vezes falava com jornalistas, porque eles iam lá buscar as notícias e procurar assuntos. Um dia, havia um jornalista do “Jornal de Notícias” que era sensivelmente da minha idade. Contei-lhe uma história de um mendigo que conhecia. O senhor vivia num rés-do-chão de uma casa e comia, todos os dias, numa tasca onde lhe davam comida. Um dia, deixou de aparecer e as pessoas que o conheciam estranharam e chamaram bombeiros e a polícia. Foram a casa dele e encontraram- no ainda com vida e descobriram que ele tinha montes de dinheiro, notas e moedas em caixas. Ele não gastava, porque lhe davam a comida na tasca e guardava o que ia recolhendo, continuando a pedir porque gostava. Achei essa história interessante para contar a esse
jornalista. E depois outras histórias, também do hospital. E à conta disso, o tal jornalista ganhou um prémio de melhor notícia do mês e insistiu em dividir o prémio comigo, porque lhe dei a história vencedora.
Entretanto, comecei a ir ver uns jogos de futebol com ele e ele explicou-me que podia colaborar com o jornal e continuar a ver a bola. Então, eu fui e comecei a fazer coisas. Estive por volta de um ano a colaborar na secção desportiva. Um dia, o diretor chamou-me para a editoria de Cidade, porque eu conhecia as pessoas e tinha características para isso. E aceitei. Comecei em 1956 e estive lá até 1996.
Antigamente, as redações eram lugares divertidos. Havia muita gente e conversávamos alegremente. Tínhamos pessoas da cidade, escritores, pintores, advogados… entravam todos na redação e conversavam. Hoje não. As redações são silenciosas, distanciadas.
Como era trabalhar numa redação “à antiga”?
GS: Antigamente, as redações eram lugares divertidos. Havia muita gente e conversávamos alegremente. Tínhamos pessoas da cidade, escritores, pintores, advogados… entravam todos na redação e conversavam. Hoje não. As redações são silenciosas, distanciadas. Antigamente, eu falava com o meu colega do lado para saber alguma coisa. Agora manda-se um e-mail. É de rir como falta comunicação a pessoas que vivem de um trabalho que é comunicar.
Mais tarde chegou a chefe de redação, não é verdade?
GS: Sim. Tornei-me chefe de redação quando ainda era repórter. Lembro-me de um dos chefes de redação me chamar e dizer assim: “Senta-te aqui. Repara na redação. Tenho que preparar alguém para me suceder, alguém que se sentará aqui um dia. Quem achas que devo escolher?”. Essa também era uma das preocupações do chefe de redação, era formar alguém com capacidades para suceder no cargo, não era só marcar serviços e fazer agenda. Era um trabalho de gestão de sensibilidades, um trabalho muito importante, que depois levaria à escolha de quem se sentaria naquela cadeira do chefe.
E como foi escolhido?
GS: Eu nunca quis ser chefe. Nunca. Quando o diretor me chamou para me dizer que me queria para chefe, eu disse-lhe que ia perder um bom repórter e ganhar um mau chefe de redação, com a minha escolha. Não sou homem para chefiar, mas considerava-me um bom repórter. Mas lá acabei por aceitar o cargo. Até porque tinha passado pelas etapas todas. Comecei estagiário, durante dois anos. Depois tornei-me repórter informador, que era um repórter que não tinha obrigação de redigir, apenas fazia as notas e entregava a informação ao redator. Depois fui repórter, seguido de redator, subchefe de redação e chefe de redação. Percorri a escola toda.
Continua a ter um carinho especial pelo “Jornal de Notícias”?
GS: Claro! Ainda hoje mantenho um forte contacto com eles e tenho um espaço de crónica, ao domingo. E vou lá com muita frequência, às sextas-feiras. Gosto muito de conviver com as pessoas de lá e é gratificante ver que há diretores que foram meus estagiários. E sinto um certo regozijo nisso, porque sinto que fiz algo positivo e que também a vida continuou o seu rumo natural, com outros a sucederem-me. É uma coisa muito humana.
Acha que o “Jornal de Notícias” sempre teve esse lado mais humano?
GS: Quando entrei para o “Jornal de Notícias”, o jornal estava numa fase de recuperação. Vinha de uma fase muito difícil, porque, durante o período da II Guerra Mundial, o jornal tinha vários comentadores políticos que faziam a apologia do nazismo, por exemplo. O jornal estava numa fase de recuperação e foi necessário mudarem o espaço que o jornal tinha de ocupar. Diziam que o JN era o jornal da burguesia. E o “Jornal de Notícias” tinha de se juntar mais ao povo. Ainda hoje existe uma secção que foi criada exatamente nesse tempo, para ajudar as pessoas necessitadas.
Foi uma altura muito difícil e em que não havia subsídios nem nenhuma forma de apoio. Quem ficava incapacitado, por exemplo, tinha uma vida muito difícil. E a secção criou-se para isso mesmo, para socorrer as pessoas e famílias que tivessem necessidade. E no espaço social havia muita solidariedade. As pessoas uniam-se muito quando era para ajudar. Transportei esta formação humanística para o meu trabalho, sempre, porque sentia necessidade.
Sentiu que estava em família enquanto trabalhava?
GS: É assim, nós passávamos lá muito tempo. Eu tive, durante anos, um horário que era das 22h às 04h. Mas, mesmo assim, o chefe do JN incentivava-me a trabalhar. Levava-nos a jantares, conversávamos sobre tudo. E ele, às vezes, dizia: “Vou te pedir que faças mais isto.
Vamos fazer mais um sacrifício. E eu não posso pedir a todos, há uma meia dúzia que vão ter este sacrifício”. E assim, o jornal foi crescendo até aos cem mil exemplares e começou a fazer um suplemento para sair aos domingos. E, nesse suplemento, a tal meia dúzia colaborava ativamente e tínhamos um benefício generoso. Era um sacrifício, mas que compensava, uma promessa que o chefe cumpriu. Era trabalho, mas havia uma mentalidade comum do “Jornal de Notícias”. Éramos unidos. E foi, durante os anos 60 e 70, uma grande universidade dos jornalistas do Porto. Depois apareceu o Público e a RTP e foram buscar vários jornalistas ao JN, porque sabiam que as pessoas aprendiam. Para mim, foi fundamental. Devo tudo o que sou hoje ao jornalismo.
“…havia uma mentalidade comum, do “Jornal de Notícias”. Éramos unidos. E foi, durante
os anos 60 e 70, uma grande universidade dos jornalistas do Porto.”
Acha que se não tivesse havido essa troca de conhecimento com os seus colegas, não teria o mesmo sucesso?
GS: Sem dúvida! Os meus chefes foram os meus mestres e ensinaram-me tudo o que sei. Se não fosse o meu chefe de redação a empurrar-me para conhecer a cidade, talvez nunca tivesse publicado vinte e tal livros sobre a história do Porto. Talvez não tivesse feito tanta coisa. Recebi um doutoramento honoris causa [pela Universidade do Porto], precisamente por ser jornalista e por ter estado no “Jornal de Notícias”. E entristece-me ver que os jovens jornalistas de agora nem conhecem os patrões, nem querem saber deles.
Os jornais do Porto eram empresas familiares. Os diretores eram pessoas que estavam na redação e que conviviam com os jornalistas, que conversavam e davam a conhecer as suas preocupações. Essas ligações perderam-se por completo. A redação era o coração da
empresa e depois tinha uma administração que o ajudava a bater. Também tínhamos imenso contacto com os tipógrafos, que imprimiam os jornais, que também eram pessoas extremamente cultas, também porque liam primeiro as coisas. Havia um convívio muito grande. E acabou, inclusive, a profissão de tipógrafo, extinguiu-se. Passou a haver tecladistas e agora já nem sei o que são.
Ainda assim, os jornais não vão acabar, porque já diziam isso quando apareceu a televisão, que também ia matar a rádio. Acho que hoje até há mais gente a ouvir rádio. Os jornais vão virar uma coisa de nicho, como os vinis. É uma coisa com estilo, uma coisa diferente, algo que se pode guardar.
“Os meus chefes foram os meus mestres e ensinaram-me tudo o que sei. E entristece-
me ver que os jovens jornalistas de agora nem conhecem os patrões, nem querem saber
deles.”
A comunicação social era muito diferente antes do 25 de Abril. Pode falar-nos das principais diferenças?
GS: Era diferente porque, antes da revolução, havia censura. Os jornalistas estavam limitados, não podiam ter opinião, nem nada que afetasse o Estado Novo. Mesmo pequenas notícias, peças que referissem droga, suicídios ou outra série de coisas, não podiam sair. Para jovens desta geração, é algo difícil de compreender. Os jornalistas tentavam passar pela malha da censura, mas, se fossem apanhados, o jornal era castigado e perdiam vendas. Havia quem tivesse o dom e a inteligência de encaixar algo nas entrelinhas. O jornalismo, e mesmo a comunicação, eram totalmente diferentes. Agora um jornalista, com um telemóvel, tem o mundo na mão. Na minha altura, comecei a escrever com uma pena de aparo. Deram-me um tinteiro, uma pena de aparo, uma tesoura e um frasco de
cola. E o meu trabalho era esse, era o corta e cola. Depois passei para a esferográfica e depois para a máquina de escrever. Lembro-me quando surgiu o fax, que era uma inovação fabulosa. Vieram todas essas novas tecnologias que eram impensáveis. Agora é diferente. As notícias são as mesmas, mas são feitas de maneira diferente.
“Havia quem tivesse o dom e a inteligência de encaixar algo nas entrelinhas. O jornalismo e mesmo a comunicação eram totalmente diferentes.”
Diferente em que medida?
GS: Por exemplo, perdeu-se muito a reportagem. Hoje não há reportagens no jornalismo e há uma falta de rigor em muitas das coisas que leio. No meu tempo, dizia-se que não podíamos deixar o leitor na dúvida e agora vejo muitas notícias que não informam quem as lê. Tem de se lhe dar a notícia completa. Éramos ensinados dessa forma e tínhamos uma camada de leitores muito ampla, chegamos aos 120 mil exemplares e ultrapassamos o “Expresso” em tiragens, que era a grande referência.
Lembro-me de arranjarmos fontes de informação para comprovar tudo, para dar toda a informação ao leitor. Lembro-me de falarmos com toda a gente para verificarmos alguma informação, com bombeiros, párocos, senhores da tasca, motoristas das camionetas… Lembro-me de um motorista a quem pedimos para nos confirmar umas informações sobre um senhor, demos-lhe um envelope com a fotografia dele, para nos arranjar o nome e a morada. E ele ajudava-nos e depois nós dávamos uma gratificação. Atualmente isso é totalmente impossível.
Nós dávamos cara a todos os personagens da nossa história, mesmo os mais pequeninos, e isso também levava a que as pessoas quisessem comprar o jornal, para ver que conhecido aparecia. E foram estas pequenas coisas, que hoje parecem arqueologia, que não são ensinadas nas escolas de jornalismo. Era algo que aprendíamos na redação.
Era um jornalismo muito vivo?
GS: Sim. O meu chefe de redação incentivava-me a falar com os bombeiros, em fazer conversa com eles para saber por onde andavam e conseguir casos interessantes. Também me ensinava a fazer conversa com algumas mulheres para saber outras histórias. Mas era um jornalismo um bocado artesanal, quando comparado ao jornalismo de hoje. E as próprias pessoas iam-me conhecendo e iam-me contando algumas coisas. E esse espírito esmoreceu, deixou de funcionar nas redações. Deixou de se correr atrás das histórias. Era um tempo em que as redações eram, de facto, a nossa segunda casa, a nossa segunda família.
“…esse espírito esmoreceu, deixou de funcionar nas redações. Deixou de se correr atrás das histórias.”
Recentemente, os jornalistas do JN fizeram greve [à data de realização da entrevista ainda só tinham feito uma greve; houve outra a 8 de janeiro] e o jornal não saiu para as bancas, pela primeira vez em 35 anos, e atravessa um período de instabilidade. O que sente ao ver estes acontecimentos?
GS: Tenho uma pena muito grande. O “Jornal de Notícias” foi e é uma instituição da cidade, é uma voz do Norte, uma voz ativa e que não se cala. Lembro-me, em 1956, de estar com o diretor do jornal. Na altura, éramos 15 jornalistas e o diretor tinha-me dito que não queria sair do jornal sem que este atingisse os cem mil exemplares. Em dez anos, o jornal cresceu e em 69, já tirávamos 120 mil exemplares. Nem as máquinas aguentavam para tirar tanto exemplar, tivemos de mudar de oficinas. Em 69, o diretor Manuel Pacheco Miranda tinha um sonho que era fazer ainda uma rádio e televisão do jornal, o que acabou por não se concretizar com a chegada do 25 de Abril. A comunicação social mudou muito e tinha muita pressão em cima e o projeto acabou por não acontecer. Mas, foi como referi, sempre fomos a voz do povo e ver o “Jornal de Notícias” neste estado, enche-me de tristeza.
“…sempre fomos a voz do povo e ver o Jornal de Notícias neste estado, enche-me de tristeza.”
Na manifestação dos trabalhadores do JN, no dia 7 de dezembro, o delegado sindical Augusto Correia disse que não está em causa o desaparecimento do “Jornal de Notícias”, mas que corre o risco de “definhar e deixar de apresentar um produto de qualidade”. O que pensa sobre isso?
GS: Ora, definhar parece-me pior que desaparecer. Porque fica um vazio se não tivermos jornalistas para trabalhar. Eu gostava de ter estado na manifestação, mas não consegui, por motivos de saúde. Mas estaria lá, com toda a certeza, se fosse possível. Agora não estou muito dentro desses assuntos, mas, com essa instabilidade, o jornal pode não ter a capacidade de fazer aquilo que o “Jornal de Notícias” conseguia. Isso é lamentável. Espero que as entidades municipais, regionais e nacionais preservem esta voz, que é do Norte. Faz falta termos no Norte uma voz. Se acabar, não temos nada. Já está tudo para Lisboa. Se deixam morrer o “Jornal de Notícias”, acaba-se tudo.
“Faz falta termos no Norte uma voz. Se acabar, não temos nada. Já está tudo para Lisboa. Se deixam morrer o Jornal de Notícias, acaba-se tudo.”
E sente que o trabalho do Jornal de Notícias pode ser substituído por outro qualquer?
GS: Acho que o JN não pode ser substituído. Tem características muito únicas. Mas também há um problema com as administrações atuais. Lembro-me do jornal A Bola, que era chamado A Bíblia do Desporto. Tinha jornalistas fabulosos, alguns eram poetas e era um jornal de referência. Eles nem queriam publicidade, porque só queriam fazer notícias e as vendas do jornal sustentavam tudo. Hoje não. Hoje só querem ficar com o online e possibilitarem um sistema de apostas. É tudo muito estranho…
Pensa que o jornalismo que se faz em Portugal é de referência?
GS: Eu não sei o que é um jornal de referência. Mas sei o que é um jornal bem feito. E um jornal bem feito tem de ter histórias, tem de contar histórias. É fundamental. E foi isso que o “Jornal de Notícias” sempre fez. Contar histórias. Foi isso que projetou o jornal junto da população. O povo quer história. E foi essa proximidade com o povo e o contar de histórias que permitiram que o “Jornal de Notícias” tenha sobrevivido e que outros acabassem.
Considera que, com a saída de pessoas mais velhas das redações dos jornais, os jornalistas mais novos são menos hábeis?
GS: Não. Nas redações, há jovens jornalistas que são excelentes profissionais. É verdade que não têm muitas vezes a memória de certas coisas e é possível que confundam o D. Pedro IV com o D. Pedro V, o avô com o neto. [Risos] Há isso. Mas o que falta nas redações é a cabeça. O chefe de redação. Era ele que incutia esse gosto pelo estudo da cidade e por outras coisas curiosas. Mas o jornalismo também está diferente, verdade seja dita. Não posso dizer se era melhor no meu tempo ou agora, porque é totalmente diferente. Hoje chega rapidamente a todos os locais. Se houver aqui um acontecimento que seja relevante para a humanidade, ele
em segundos está espalhado com as novas tecnologias.
E isso compromete a qualidade?
GS: Não, não compromete. O problema é a falta de acompanhamento que as novas gerações têm. Antigamente, o chefe de redação acompanhava todo o processo de fazer a notícia. Ele chamava-me, dizia-me isto ou aquilo, pedia que alterasse, elogiava… O chefe de redação era sempre uma pessoa muito culta, muito preparada e com muita experiência. Ensinavam bastante. Agora o que falta é esse acompanhamento.
E também falta memória nas redações. Há uns tempos, soube de um caso de um jornalista que queria entrevistar o Germano Sousa, [ex-bastonário] da Ordem dos Médicos, e foram à Internet e colocaram a minha fotografia, porque foi a primeira que apareceu.[Risos] Há uma certa falta de cuidado, é verdade. No entanto, há excelentes jornalistas mais jovens.
Acha que esta crise no jornalismo é algo que o vai destruir ou que vai ser ultrapassado?
GS: Eu quero acreditar que isto não passa de algo cíclico, como as crises. Acontecem de quando em quando, mas lá se ultrapassam. Foi como referi, quando a televisão apareceu, falou-se no desaparecimento da rádio e, hoje em dia, a rádio está num momento de ascensão.
A televisão não deu cabo da rádio e o online não vai dar cabo do livro. O jornalismo precisa é de se adaptar à vida atual. Tem que ter outra linguagem, apostar noutra formação. Antes escrevíamos para um determinado tipo de pessoas, pessoas sem formação cultural e literária. Hoje qualquer pessoa se educa e sabe destas áreas. Agora, o jornalismo escrito é uma coisa fabulosa.
Julga que quem segue jornalismo, atualmente, tem as mesmas motivações que o Germano tinha? Esse sentido de responsabilidade, de aprendizagem?
GS: Não, de todo. Eu sinto que, às vezes, as pessoas vão para jornalismo por estrelato, digamos assim. As motivações já não são as mesmas. Contudo, fico feliz e orgulhoso de ver jovens jornalistas a usarem a liberdade, que nós não tivemos durante muito tempo, com bom senso.